28.12.07

CAMINHOS CRIATIVOS


O desejo de uma pessoa envolveu dezenas de outras delas – fez do indivíduo um coletivo. Na capital, esse desejo se comprovou possível e se multiplicou em outros três municípios do interior do estado. Veio da tradição a inspiração para modernizar e viabilizar um coro cênico-musical bem brasileiro. São aparentes os antagonismos que se encontram e fazem a diferença do projeto "Titane e o Campo das Vertentes".

Em Minas Gerais , no Brasil e no mundo a cantora Titane imprimiu a sua marca como artista que explora novos caminhos criativos. Tendo na bagagem a interioridade de Minas Gerais e a contemporaneidade incorporada das grandes cidades, Titane faz a ousadia resultar em uma qualidade musical e artística bem particular. De onde vem, para onde vai, carrega influências diversas (da vanguarda paulistana ao congado mineiro) e desejos vários de experimentar possibilidades.

Com o projeto "Titane e o Campo das Vertentes" a experimentação para criar um coro cênico-musical se associa ao compartilhamento de técnicas e ao processo criativo e artístico feito em conjunto. Revela o potencial de uma ação que é grande por ser obra de muitos indivíduos que se entendem na coletividade e assim realçam a qualidade do todo.

Buscando meios de unir coro e percussão em um espetáculo harmônico e diferenciado, Titane encontrou no congado e no reisado típicos da sua terra natal, Oliveira, a referência para realizar esse seu desejo de cantora. A performance dos folguedos populares foi fonte inspiradora. O resultado foi satisfatório. O processo que se deu na cidade grande, em Belo Horizonte, com a realização de oficinas para preparação do coro, se mostrou um procedimento técnico eficiente que sustentava a viabilidade da proposta artística de Titane. Impulso suficiente para replicar e compartilhar em cidades do Campo das Vertentes a possibilidade de se fazer arte e ainda ir um pouco além, provocando identidades e reflexões sobre a coletividade.

Assim, em 2006, essa experiência subiu a serra e chegou às cidades de Oliveira, Itapecerica e Divinópolis, na região centro-oeste de Minas Gerais, conhecida como Campo das Vertentes. Oficinas de técnica musical, cênica e corporal são oferecidas para interessados com idades entre 15 e 25 anos. Titane, João das Neves e Irene Ziviani atuaram juntos, os três, ao mesmo tempo, na sensibilização e preparação artística dos 20 selecionados em cada uma das cidades.

A estratégia de integrar as artes, do ponto de vista prático, busca colocar as pessoas em contato com elas próprias, com os seus potenciais e diferenciais, para então situá-las diante do todo, do coral cênico-musical que é feito de todos e de cada um. Num âmbito mais abrangente, dessa nova percepção provocada pela arte surgem possibilidades do indivíduo descobrir seu impulso criativo e sua localização e atuação no mundo. Um micro influenciando o macro (ou o indivíduo na coletividade), como um cantor faz o coro acontecer.

A preparação resultou na criação e montagem do espetáculo "Titane e o Campo das Vertentes", que completou as atividades do projeto em 2006. Neste momento de finalização, se aproximaram outros artistas, como Sérgio Pererê e Makely Ka. Makely teve suas canções e versos interpretados por esse coro cênico-musical. Pererê, além de atuar como autor convidado, foi incorporado à equipe de preparadores e diretores do espetáculo. Como representantes da geração de compositores e músicos dos dias de hoje, a chegada de Sérgio Pererê e Makely Ka, no velho e bom mineirês, é considerada "boa demais", pois traz ares de renovação e ineditismo a esse projeto que é diverso e particular, artístico e social.

Concretizada essa primeira etapa, o projeto “Titane e o Campo das Vertentes” em 2007 retornou à Divinópolis e foi além, chegando à cidade de São João del-Rei, onde o espetáculo foi apresentado para um grande público. A continuidade do trabalho e os resultados visíveis no talento dos jovens em pleno desenvolvimento confirma que a mistura resulta. O projeto continua, estimulando vocações artísticas, difundindo arte e criatividade, propiciando aos envolvidos momentos singulares, mas gerando efeitos que só se conjugam no plural.

fotos joão castilho

21.12.07

do meu pensar


A SINGULARIDADE DA ARTE EM UMA INTERVENÇÃO SOCIAL

As possibilidades e desafios para se conquistar mudanças sociais efetivas através da arte

Atual e principalmente em projetos de cunho artístico-social realizado com grupos de esferas sociais baixas ou em situação de risco, muitas ações que visam melhorias sociais são fundamentadas pelo binômio arte e cidadania. Pela crescente demanda por projetos desse tipo e pela parcela de recursos destinados a esse fim é preciso investigar se a arte pode realmente gerar essas transformações e como esse processo se concretiza.

Em um contexto de mercantilização da cultura, há de se considerar que uma noção de arte pode também ser utilizada para reforçar discursos e valores dominantes. Ou mesmo justificar altos investimentos de empresas em ações de marketing e responsabilidade social que mantêm o problema no mesmo patamar e transmitem à sociedade uma certa sensação de transformação.

Isso quando o que se chama de arte se concretiza em uma prática artística simplória e superficial que serve mais como ocupação de tempo para jovens do que representa uma real imersão no universo da expressão artística. Fato recorrente, por exemplo, no trabalho com a percussão, de grande riqueza e valor cultural, presente na maioria de projetos que envolvem negros moradores de favela. Nem sempre valores históricos e culturais associados ao tambor e sua relação com a ancestralidade africana, dentre outros aspectos relevantes e múltiplos são considerados nesse tipo de ação, que fica restrita à interpretação e reprodução de alguns ritmos.

Essa é uma percepção da arte apenas como prática livre, sem que seja considerada sua profundidade informativa, sua relação com outras áreas de conhecimento e sua capacidade de expressão. Questão essa que está em sintonia com a proposta teórica inicialmente desenvolvida no artigo “Singular”, apresentado no Congresso de Formação Artística e Cultural para América Latina e Caribe realizado de 8 a 10 de agosto de 2007 em Medellín, Antioquia, Colômbia.

Singular pode ser entendido como o momento em que a arte inicia um diálogo com a identidade de quem a cria ou a contempla. Em ambos os casos são momentos em que surgem as significações e interpretações, externalizadas em uma obra ou internalizadas na compreensão da mesma.

Singular porque é pessoal, exclusivo e intransferível, tanto a percepção como as transformações resultantes desse contato. Uma provocação da arte que convoca identidades, revela indicativos próprios de uma personalidade autêntica e promove a percepção do indivíduo enquanto parte importante e atuante no coletivo.

Considere essa singularidade própria da arte como possibilidade de gerar transformações. É desse contexto que surge, portanto, uma perspectiva para se trabalhar outras questões extra-artísticas, como é o caso de se pensar em arte para promover a cidadania.

Neste espaço de discussão e troca de experiências promovida pelo Congresso, foi muito questionada a estereotipada idéia do professor de arte, que se entende como “polivalente e que deve ministrar aulas de músicas, artes plásticas, teatro e ainda desenho geométrico”, como provocou a doutora em arte-educação Ana Mae Barbosa, ou ainda o hábito de se considerar a arte inferior a outras áreas científicas. Algumas práticas escolares e muitos dos projetos artístico-sociais da atualidade são realizados com esse fundamento e não exploram o potencial da arte de gerar transformações estruturais.

É preciso considerar os níveis de transformação que se pode alcançar com práticas que a princípio tratam do mesmo objetivo: arte para promover a cidadania. Uma prática que (re)conheça esse “processo de singularização”, conquista um campo mais viável de se explorar o conhecimento interdisciplinar, o potencial criativo da pessoa envolvida, podendo sim, ampliar a compreensão e formar personalidades autênticas, críticas e criativas com potencial para superar as dificuldades sociais da atualidade.

Por outro lado, práticas fundamentadas em uma compreensão mais superficial de arte também contribuem para esse processo, mas em escala menos abrangente, seja ocupando o tempo de jovens, por exemplo, para que não se envolvam com crime ou mesmo possibilitando um contato com a criatividade.

Essa não é exatamente uma opção de prática negativa, mas (re)conhecendo o potencial da arte para alcançar transformações mais estruturais, que promovam “mudanças de mentalidade”, como sugere o multipensador francês Félix Guattari, no livro “As três ecologias” há de se questionar como esse tempo oficial e esse objetivo associado à arte nas escolas e em projetos sociais vem se desenvolvendo, devendo ser, portanto, mais fundamentado para se efetivar.

Outros inter

Interdisciplinaridade é como a arte vem sendo pensada na área da arte-educação, como apresentou Ana Mae Barbosa na Conferência Magistral: “Arte na educação: interdisciplinaridade e outros inter”. A arte entre as áreas do conhecimento e também legitimada como uma área independente e específica deve ser reconhecida pela sua relevância. Estratégica porque dialoga e facilita o entendimento de coisas complexas e desconhecidas através do que é simples e conhecido, promovendo o que o formalista russo V. Chklovski no artigo “O procedimento da arte” considera como “uma percepção particular do objeto”. Fator que promove uma compreensão mais livre e pessoal de uma informação e oferece liberdade para que o conhecimento seja acessado com o potencial que cada pessoa possui: individual e autêntico.

Uma idéia conceitual sobre o que, no universo da arte-educação e dos projetos fundamentados em arte e cidadania, legitima essa possibilidade da arte de gerar transformações através do fortalecimento de identidades e compreensão da diversidade do coletivo e do conhecimento. Impõe-se agora o desafio de organizar essas reflexões em práticas que convivam com a estrutura econômico, jurídica, técnico-científica e de subjetivação que prevalece na sociedade contemporânea, sem que essa convivência resulte num processo de perda de autenticidade e de incorporação da expressão artística à lógica dominante, tal como vem acontecendo na indústria cultural. Transformações que, inspiradas nas possibilidades da arte, devem criar caminhos inversos, criativos, críticos, singulares.

fotos pedro david e helbeth trotta

17.12.07

PARALELAS QUE SE ENCONTRAM

O tráfico é a faísca acesa no morro de pólvora. Favela cor de canela, também manca das pernas básicas de educação e cultura - estrutura. Neste labirinto de barracos quase nunca visitado pelos telespectadores assustados, que formam sua opinião pelo esvaziado jornal diário, o jovem branco de classe média pode entrar pra fazer qualquer coisa, inclusive aprender.

Se surpreender com os lados de algo mais além da moeda. Perceber que a bomba que explode a cada momento é sim da guerra civil, deixada de lado pelo estado, mas é também de criatividade, de uma ação bem particular que circula nas mãos dos jovens de lá.

Alguns filmes se encarregaram bem de registrar e revelar as mazelas do crime. Alguns projetos sociais vêm superar o estigma do assistencialismo, mesmo sendo a maioria ainda gerenciada por instituições do centro da cidade em mais um dos empreendimentos de altos investimentos e baixos resultados.
Essa atenção recente e cada vez mais crescente às favelas ainda tem mantido o problema no mesmo lugar. Mesmo assim, aos poucos e cada vez mais, essa mudança de contexto tem estimulado a articulação de jovens que estão vivenciando experiências artísticas e culturais e dando vazão às suas inquietações através de iniciativas próprias e promissoras.

Reunindo fragmentos vindos da mídia e vivenciando gradualmente a vida em comunidades é possível descobrir uma realidade paralela fundada em práticas comunitárias, em uma recriação de valores que são próprios desse lugar e se incrementados, podem sugerir saídas adequadas à realidade do Brasil.

O centro perdeu algo que ainda se mantém na periferia. Em que resulta o encontro de jovens neste contexto? O saber vindo da universidade, das vivências do lado mais estruturado da sociedade, sempre tende a se colocar superior. A lógica de um jovem de classe média que sobe a favela, pra ele e pra sociedade, é de que ele vai lá para ensinar, para suprir o que falta. Isso acontece até se perceber a impotência diante de uma realidade que é própria, “nem melhor, nem pior, apenas diferente”, aproveitando o verso do rapper Black Alien.

As diferenças acabam fortalecendo a parceria e o processo fica lento até que a conexão de saberes começa a se estabelecer, avança em meio a tropeços e aprendizados, mas acontece. Como aconteceu com o projeto RedeMUIM de Arte e Cultura, pelo segundo ano realizado pelo Criarte – Comunidade Reivindicando e Interagindo com Arte do Aglomerado da Serra, Belo Horizonte, em parceria com jovens da No Ato Cultural e Ora Boa Arte e Comunicação Social.

Voltado para a formação individual de agentes, produtores e grupos culturais, a primeira edição do RedeMUIM em 2006 introduziu os jovens nos conceitos de gestão e produção cultural. Montou-se um curso de três meses de duração e aulas ministradas por profissionais renomados que tiveram o desafio de transmitir conhecimentos geralmente restrito às universidades, para jovens de baixa escolaridade e experiência prática nos mercados mais diversos, além dos grupos culturais em que estão envolvidos.

Da primeira etapa teórica, muitos princípios ficaram marcados e especialmente a referência dos profissionais que ministraram as aulas e apresentaram aos jovens as diversas áreas de atuação no mundo do trabalho artístico e cultural. Para selar o início dessa formação e o fim dessa primeira etapa, um evento para aplicar os conhecimentos de produção e comunicação. No dia 10 de setembro de 2006 aconteceu a primeira edição do ‘Aglomere-se – Mostra RedeMUIM de Arte e Cultura’. O evento foi realizado “no ponto”, entre as ruas Alípio Goulart e Capivari, a divisa geográfica entre o morro e o asfalto. O momento era de violência e conflito, o Aglomere-se aconteceu fora do morro, mas nesse dia não houve nenhuma morte.

Em 2007 o projeto se ampliou e na proposta de fortalecer a rede cultural do Aglomerado da Serra, o RedeMUIM ofereceu formação e buscou a participação ativa dos jovens. No caminho dessa meta novos desafios de mobilização, de entendimento conjunto da proposta, de infra-estrutura e preparação técnica.

A mobilização se efetiva basicamente a partir do entendimento da proposta e depois com a disposição e dedicação dos envolvidos para realizar esse ideal. No primeiro caso o RedeMUIM era uma novidade, que atraía pela oportunidade – curso gratuito realizado dentro da comunidade – mas tratava de um universo profissional e de aparatos tecnológicos desconhecidos da maioria dos jovens.

A falta de acesso se revelou um fato. E iniciar os participantes no universo da tecnologia e internet também se tornou um objetivo do projeto, pra driblar a inexperiência dos alunos, principalmente no manejo de softwares de design e site e ao mesmo tempo buscar realizar a demanda do projeto: realizar novas edições do evento Aglomere-se, criar as peças gráficas de divulgação e construir o site do Projeto e o jornal que foi intitulado “Entre Becos e Vielas”.

Em suma, manter equipes de comunicação e produção trabalhando de maneira integrada, realizando ações culturais na comunidade, participando de uma capacitação em processo.

Envolvidos nessa missão estavam os membros do Criarte, que firmaram parceria com a produtora No Ato Cultural para assumir a coordenação de produção e a Ora Boa Arte e Comunicação Social para a coordenação de comunicação, ambas constituídas por recém-formados no curso de Comunicação Integrada na PUC Minas. Uma união de diferentes, atuando juntos e de maneira complementar num projeto que exigiu conhecimentos técnicos trazidos pelos jovens universitários e a criatividade e a experiência coletiva e comunitária vindo com os jovens do aglomerado.

No andar da carruagem, percebeu-se que a capacitação em processo envolvia os participantes, e também os coordenadores, sem exceção. Em cada reunião de definição dos eventos, das pautas do jornal, do conteúdo do site surgia uma surpresa, uma proposta ou uma ação inusitada que revelava o conhecimento e a intenção dos jovens na sua comunidade, mostrava as particularidades e a identidade daquele local.

Foi necessário e imprescindível experienciar os fatos e perceber as manifestações das potencialidades. O pensamento se ajusta, se amplia e se direciona quando é colocado à prova. Realizar o projeto RedeMUIM de Arte e Cultura, unindo saberes, buscando compartilhar técnicas e infra-estrutura, é um aprendizado contínuo, uma experiência satisfatória de perceber aos poucos que a realidade social do asfalto não é a única possibilidade. Outras podem estar em processo de construção.

14.12.07

AMANHÃ VAI TER

Em terras paulistas, no melhor lugar da casa do paraibano Chico César, o poeta pernambucano Abel Menezes solta os versos sobre o inexistente carnaval de Belo Horizonte.

Foi um divirto pra mineira aqui, que não pestanejou e quis logo saber que história é essa de poesia pró-carnaval em BH, feita justo por ele que vem de onde se tem a melhor folia até então vista!

Logo veio a explicação: são versos inspirados nesse mar de montanhas, feitos pro Ortinho musicar, um talento vindo de Caruaru que faz um som bacana e vai aportar na cidade nesse fim de semana.

Ortinho vem no ‘Temporal PE’, festival que passou por São Paulo com a presença também de Daniel Belleza e Lúcio Maia com seu Maquinado (!) e chega a Belo Horizonte pra estréia em palcos mineiros, acompanhado da Nação Zumbi (de disco novo), Junio Barreto (PE) e do mineiro Pedro Morais. Sabadim, dia 15, a partir das 22h, no Freegells Music.

Os versos do carnaval? Quando sair a música a gente canta junto. Nesse meio tempo vai se investigando a sintonia ( intergalática ? :) entre Pernambuco e Minas.