27.2.08

MULTIFACETADO


Ele canta como fala como canta ele fala e conta que seja inspiração de um sonho ou construção constante do verso, tom por ritmo por sílaba ele se dedica até surgir o poema. Este vira música, performance, palavra cantada ou desenhada, tudo a mesma coisa, vinda da mesma base. “O trabalho com a palavra é como um porto seguro por onde me aventuro em outras linguagens”.

Entre a poesia da canção e a poesia do livro ele penetra em todos os ambientes, transitando tranquilamente pelo que se convencionou chamar de opostos. Ícone da geração anos 80, saltou do mainstream ao circuito independente. Sua criação habita ambos os ambientes.

Múltiplo artista consolidou seu trabalho ao lado dos Titãs e de grandes parcerias em seu trabalho solo, apreciado pelo grande público e não só por ele. “As pessoas estão muito mais abertas às novidades do que querem fazer crer alguns setores de mídia”. Freqüenta os circuitos da arte contemporânea a criação deste multiartista.

Clandestino no ambiente musical, solta o verso e vê surgir a música, feita por ele ou por parceiros. A musicalidade dos versos já rendeu várias traduções e até mesmo cinco canções para um “Pensamento”.

Pensamento que vem de fora
e pensa que vem de dentro,
pensamento que expectora
o que no meu peito penso.
Pensamento a mil por hora,
tormento a todo momento.
Por que é que eu penso agoras
em o meu consentimento?
Se tudo que comemora
tem o seu impedimento,
se tudo aquilo que chora
cresce com o seu fermento;
pensamento, dê o fora,
saia do meu pensamento.
Pensamento, vá embora,
desapareça no vento.
E não jogarei semente
sem cima do seu cimento.

Arnaldo Brandão, Neusa Pinheiro, Fernanda Porto, Sérgio Britto e Rômulo Fróes, cada um trouxe à tona a música que saltou desses versos. Pode escolher o estilo e o ritmo, toda gama de variações cabe. Desse poema só, foram cinco versões diferentes.


“O que”, uma “equação filosófica na base de funk”, vai nessa linha de diversa possibilidade. Uma ponte entre abismos imaginários. Gravada no disco “Cabeça Dinossauro” em 1990, essa música já embalou pistas e agora ‘faz cabeças’, como poesia visual no livro “Como é que chama o nome disso” (2006) uma antologia de versos, canções e outros experimentos.

Da palavra à canção, reúne os fragmentos em rascunhos para “ver materialmente as escolhas” que se transformam quase artesanalmente no computador. Tudo isso e um prazer revelado pelos shows, pelo corpo a corpo com a linguagem (!)

“A poesia apresenta o mundo mais do que fala sobre ele”. Num atalho para princípios essenciais, adentrou no mundo dos filhos e com “um olhar que beira o infantil”, lançou em 1992, “As Coisas”, “uma prosa contaminada pelas poéticas” que revela o que de mais incrível está adormecido no óbvio. O estranhamento é comum à poesia, é também princípio de vida. “Saiba” (2004) vem dizer das mesmas coisas e sua obra se vê, amadurece na autenticidade de seu processo criativo.

Arnaldo Antunes inspira a positividade criativa. Surpreendeu ele que sempre pareceu familiar. Essas e outras coisas, ele contou ontem no encontro de abertura do projeto Ofício da Palavra 2008, no Museu de Artes e Ofícios - casa diária desses meus tempos. Muita gente marcou presença no evento que revelou bem de perto esse artista completo, no palco ou na vida.


De lá uma passada no Francisco Nunes, para ver teatro cheio com Kristoff Silva e seu espetáculo contemporâneo, envolvente, cada vez mais impecável. A noite revelou ainda uma novidade quente como salsa, afoxé e música brasileira inédita: show das ‘Morales’, no Recanto da Seresta. Irmãs nas artes, no circo e na percussão, o grupo formado por Jabu, Aline e Adriana Morales tava bem acompanhado de Poliana Tuchia, Maurício Ribeiro, Rafael Macedo, André Ladeira, Ana Lu, Juliana Perdigão e participação de Vitor Santana. Uma música mineira que vai além mar. Ponte incrível entre Minas e Pernambuco. Repertório original de dançar e pedir bis. Teve bom. Belo Horizonte tá que tá (!)

foto márcia xavier

20.2.08

A OUTRA CIDADE


A Outra Cidade é o resultado do encontro de três compositores, Kristoff Silva, Makely Ka e Pablo Castro, que reuniram suas referências e influências em um trabalho autoral e inovador. Mais do que um CD, A Outra Cidade é um ponto de encontro dessa nova geração de compositores e intérpretes que tem muito o que mostrar.

Este é o primeiro produto acabado apresentado por integrantes do Projeto Reciclo Geral – Mostra de Composições Inéditas, realizado em 2002 e responsável por uma verdadeira ebulição na cena musical mineira desde então, movimentando cerca de 70 nomes entre intérpretes, compositores e instrumentistas como Marina Machado, Virgínia Rosa (SP), Vítor Santana, Alda Rezende, Dudu Nicácio, Renato Villaça, Maísa Moura, Titane, Érika, Mestre Jonas, Vander Lee, Rosa Maria, Anthonio, Amaranto, Juarez Moreira, Sérgio Pererê e Renato Negrão dentre outros. Foram 25 apresentações que lotaram o espaço do Reciclo Asmare Cultural e mostraram a força de articulação e público dessa nova geração.

Kristoff, Makely e Pablo são representantes da nova cena musical e referência para muitos artistas do Estado. Neste trabalho eles convidam intérpretes e músicos já estabelecidos a atuarem ao lado da nova geração, de forma a fortalecer a cena e mostrar a produção que acontece fora do “eixo”. A proposta é trabalhar coletivamente, respeitando a diversidade. Para tanto o CD reúne representantes de diversos núcleos, como os porta-vozes dos grupos de percussão Elefante Groove, Trovão das Minas, Tambolelê, a Orquestra Mineira de Rock e a Orquestra Sinfônica de Minas Gerais.

As composições dos três músicos presentes no CD A Outra Cidade, dialogam com as mais diversas tradições da canção brasileira, com originalidade e ousadia, não sendo facilmente rotuladas num estilo. O CD conta ainda com arranjos de Avelar Jr., programação eletrônica de Lucas Miranda e participação de artistas como Titane, Alda Rezende, Marina Machado, Regina Spósito, Flávio Henrique, Amaranto, Patrícia Ahmaral, Anthonio, Sérgio Pererê, Paula Santoro, dentre outros. Pequenos, mas muitos detalhes fazem do disco A Outra Cidade um produto único e ao mesmo tempo múltiplo.

Kristoff, Makely e Pablo. Cada um trouxe uma característica, um estilo que foi se fundindo. Na verdade cada um é uma peça desse quebra-cabeça que se chama A Outra Cidade. Harmonia, ritmo e melodia. Kristoff, Makely e Pablo. A música de uma nova época, complexa, interconexa, paradigmática.


* post em homenagem aos 5 anos de lançamento deste CD tão representativo da cena musical mineira. marco do início da parceria com os então cabeludos compositores

foto helena leão