2.6.09

MÃOS À OBRA



Se o Brasil tem uma irmã mais velha, é a Colômbia. Lá se fala uma língua diferente, o castelaño, mas a culinária, a geografia, o clima e o cotidiano de seus moradores se parecem bem com o brasileiro. Agora, quando o assunto é social, é preciso ficar atento e aprender com a experiência desse país que passa por muitas dificuldades de extrema pobreza e violência armada e hoje busca reverter esse contexto com a contribuição de todos os cidadãos.

Em Medellín, capital da Antioquia, as mudanças estão à vista. Obras pela cidade, festivais de arte e cultura, segurança pelas ruas, muitos projetos sociais sendo desenvolvidos. As favelas de lá se chamam comunas e elas são muitas, ocupam grande parte do território da cidade, suspensas no fim da Cordilheira dos Andes.

Dois projetos sócio-culturais foram visitados na semana em que aconteceu o Congresso de Formação Artística e Cultural para América Latina e Caribe, em agosto de 2007. Em ambos, a arte é uma aliada na busca integrada por paz, conhecimento, desenvolvimento pessoal e profissional dos envolvidos. O teatro é a principal expressão artística.

Especialmente na Comuna 2, chamou a atenção o trabalho desenvolvido pela Corporacion Cultural Nuestra Gente, surgido em 1987 e com atuação em três frentes de trabalho: Desenvolvimento institucional, que articula parcerias de sustentabilidade para o grupo; Formação artística, com o propósito de “construir artistas para a vida”; e Projetando arte, grupo de teatro profissional que circula seus espetáculos e também incorpora jovens que estão no processo de formação.

Em uma linha artística-social semelhante, desenvolvida no bairro Belén, está La Corporacion Artística La Polilla que há 22 anos realiza um trabalho de sensibilização, fortalecimento e desenvolvimento dos valores culturais da comunidade. Para isso, eles mantêm um centro cultural com um teatro onde são realizados espetáculos, filmes e festivais e também são desenvolvidas atividades de formação artística e eventos especiais como o MIMAME – Festival Internacional de Mimos, que está em sua 10ª edição.


Nuestra gente



A sede do grupo é uma casa amarela de esquina que guarda antigas histórias da cidade e se revela inteira criação coletiva de todos que estão lá, do mosaico no muro da casa às placas de indicação interna.

O mural de fotos revela que muitos daqueles jovens estão no projeto desde criança, são multiplicadores e protagonistas desta representativa ação sócio-cultural.

Neste espaço são realizadas oficinas de formação e capacitação humana e artística nas áreas de teatro, dança, música, comunicação comunitária rádio e tv, trabalhos que são projetados em intercâmbios, mostras,festivais e encontros comunitários anuais. Tudo acontece de modo integrado e os anos de dedicação e trabalho consolidaram o Nuestra Gente como uma referencia local e de toda a América Latina.


Atuação local com consciência global

Na Corporacion Artística La Polilla só não pode entrar a tristeza. A arte está em todos os lugares e o centro cultural mantido pelo grupo, no bairro Belén, está sempre repleto de atividades e de gente. Marionetes, palhaços, atores transitam entre músicos e educadores em formação ou em cena. A programação e outras informações estão disponíveis no site http://www.lapolilla.org/

La Polilla pretende ser uma empresa comunitária do setor cultural com um conjunto de programas e serviços que promova a geração de empregos e a dinamização da atividade cultural da zona onde atua. O trabalho desenvolvido no bairro Belén repercute em toda cidade, na América Latina e envolve crianças, jovens e adultos. O poder público reconheceu e, em 1998, o La Polilla foi agraciado com o prêmio “El Medellín que yo promuevo”, dentre outros.

Além de atuar na formação de artistas e agentes culturais, La Polilla acolhe grupos cênicos, fortalecendo sua consolidação. Dentro da própria sede são apresentados espetáculos criados pelos próprios grupos, difundindo a arte e ao mesmo tempo buscando viabilizar sua sustentabilidade.

Tanto o La Polilla como o projeto Nuestra Gente revelam um nível de profissionalismo e foco de ação exemplar para a área sócio-cultural e para o terceiro setor. Os resultados saltam aos olhos e o reconhecimento do poder público e outras instituições do terceiro setor também legitima essas iniciativas. Projetos que se cruzam em parcerias coletivas de redes e entidades colombianas e intercâmbios com artistas e agentes de diversos países. Projetos que podem bem representar uma “boa lição” colombiana ao caçula Brasil.


A viagem à Colômbia foi em agosto de 2007. Este texto editado saiu a pouco como colaboração pra seção "Outro Umbigo" no Informativo nº 7 da ONG Favela é Isso Aí . A Ora Boa segue sem pressa, vivendo momentos de reflexão prática.

23.4.09

1266


Largas ruas ligam a metrópole. Avenidas imensas se transformam em corredores de alta velocidade por onde os monumentos são rapidamente avistados aguçando histórias com o taxista.

- Em São Paulo existem muitos cemitérios no meio da cidade.

- “Moro ao lado do maior da América Latina, que fica em Vila Formosa”

O “Formosa” soa tímido, quase inaudível.
- Fica para os lados de Aricanduva, na Zona Leste. Ele completa.

Das grandes regiões de São Paulo, essa talvez seja a maior. O metrô pra lá diz ser o mais lotado. O palpite acabou sendo que o tamanho de Belo Horizonte inteira devia corresponder a toda a Zona Leste paulista.

Mais adiante, o casamento na clássica igreja puxa o papo para o refúgio histórico num lugar de representativa arquitetura. O que mais chama a atenção é o nome da Igreja, que o taxista desconhecia.

- Nossa Senhora do Brasil. Disse “toda entendida”.

Tantas idas já deu pra descobrir as belezas paulistas reveladas da Avenida Henrique Schaumann, que vira Brasil e passa pelo Ibirapuera onde são incontidas as lembranças de caminhadas no parque, visita aos museus, especialmente ao Museu Afro Brasil que guarda histórias dos nossos ancestrais.

Foi dizer isso para o taxista que ele confessou menos timidamente que sua mulher é negra, revelando-se interessado em confirmar a emoção gerada pela nossa inevitável identificação no Museu Afro Brasil com cores, cantos, gestos, roupas e hábitos vindos da África e outros já existentes no Brasil pré-colonial que nos dão a aconchegante percepção de berço – história – nação.

Uma troca simples que emocionou pela espontaneidade. Ele disse que com certeza iria a este Museu com os filhos e a mulher que ele garante, já foi ao parque. O convite talvez tenha sido estendido também aos colegas taxistas que ele encontrou ali no Aeroporto de Congonhas, onde peguei mais uma vez o vôo 1266.

Cena Carioca - obra de Heitor de Prazeres - acervo do Museu AfroBrasil

17.4.09

UMA LEITURA DE STUART HALL


“O estudo da cultura popular é como o estudo da história do trabalho e de suas instituições”.

A problematização que Stuart Hall, teórico cultural jamaicano radicado no Reino Unido apresenta no artigo “Notas sobre a desconstrução do ‘popular’”, trata dos desafios de periodização da cultura popular e da definição de um conceito único para o termo “popular”.

Suas reflexões são fundamentais para se evitar redundâncias e equívocos no estudo da cultura popular, apresentando um ponto de vista esclarecedor, no que se refere a dinâmica de transformação da cultura e seu impacto quando para o uso e difusão de ideologias.

Contextualização

No desenvolvimento do capitalismo, a conquista das classes trabalhadoras e sua “reeducação no sentido mais amplo” tornou-se premissa para instituição “de uma nova ordem social em torno do capital”.

O objetivo desta “reforma do povo” era substituir hábitos e tradições populares para implantar a lógica do consumo, gerando uma transformação cultural, termo que o autor considera “um eufemismo para o processo pelo qual algumas formas e práticas culturais são expulsas do centro da vida popular e ativamente marginalizadas”.

Hall chama atenção para a necessidade de se entender o duplo movimento da cultura popular, o processo dialético de contenção e resistência. A cultura popular é o “terreno sobre o qual as transformações são operadas”, não se consistindo nem em uma tradição intacta, nem mesmo em um terceiro elemento totalmente novo.

A partir do século XVIII as relações sociais se intensificaram com as classes trabalhadoras em formação, geralmente “distantes das disposições da lei, do poder e da autoridade” e ao mesmo tempo integradas ao “campo mais amplo das forças sociais e das relações culturais”. O autor cita o vínculo da cultura popular com a sociedade ”através de inúmeras tradições e práticas. Por linhas de ‘aliança’ e por linhas de clivagem”, e também a resistência de um século de algumas regiões, fazendo-se necessário um processo contínuo e permanente de reeducação e reforma.



Periodização

O período entre 1880 e 1920 é o recorte temporal dado pelo autor que, referenciando Gareth Stedman Jones, observa que “em algum momento desse período se encontra a matriz dos fatores e problemas a partir dos quais a nossa história e nossos dilemas peculiares surgiram”.

Nesta época foram empreendidas mudanças a partir de questionamentos que se assemelham com o período atual. Hall contemporiza e considera não ser “por acaso que tantas das formas características daquilo que hoje consideramos como cultura popular ‘tradicional’ emergiram sob sua forma especificamente moderna”.

O período de desenvolvimento do capitalismo agrário para o industrial marca uma intervenção direta na cultura popular, que ainda não havia sido incorporada à lógica do capital que começava a se definir. Todo um processo de reeducação social desta cultura de “fora das muralhas, distante da sociedade política e do triângulo do poder” foi empreendido no século XIX.

Hall, por meio de questionamentos sobre o “imperialismo popular” parece elucidar algumas estratégias de massificação do consumo por meio da cultura popular. O autor cita a instituição da imprensa liberal da classe média da metade do século XIX às “custas da efetiva destruição e marginalização da imprensa local radical da classe trabalhadora”. A apropriação do popular pelo e para o consumo gera uma interferência no processo conceitual, informacional e lógico de uma classe para determinar uma direção uniforme para a massa.

A ruptura vinda com o período pós-guerra gera “mudança nas relações culturais entre as classes e um novo relacionamento entre o povo e a concentração e expansão dos novos aparatos culturais”. O autor enfatiza a necessidade de se estudar a cultura popular considerando a sua incorporação à dominação do imperialismo e da indústria cultural, no século vinte, num processo desencadeado nos séculos anteriores.

O “popular”

No mercado comercial e no senso comum resume-se ao que é consumido pela massa, definição “associada à manipulação e ao aviltamento da cultura do povo”. Este conceito para o termo popular Hall questiona por considerar que o povo, mesmo nutrido “por um tipo atualizado de ópio”, não é essencialmente passivo.

Outra restrição destacada ao termo popular é a distinção usualmente criada entre cultura comercial popular x cultura popular autêntica, sendo que o autor considera como problema básico desta percepção dual, o fato de que “ela ignora as relações absolutamente essenciais do poder cultural – de dominação e subordinação – que é um aspecto intrínseco das relações culturais”.

O autor chama a atenção para o fato de que a cultura popular está inserida no contexto das indústrias culturais, onde “há uma luta contínua e necessariamente irregular e desigual, por parte da cultura dominante, no sentido de desorganizar e reorganizar constantemente a cultura popular”. A cultura popular não transita apenas entre os extremos de isolamento e preservação ou total passividade e fácil manipulação, mas existe uma “concentração do poder cultural” que favorece o reconhecimento e a adesão por parte da maioria aos hábitos culturais estabelecidos.

A adesão da cultura popular a essa lógica imposta desde o século XVIII não é meramente pela via da manipulação, pois como apresenta Hall “junto com o falso apelo, a redução de perspectiva, a trivialização e o curto-circuito, há também elementos de reconhecimento e identificação”. É este processo complexo e dialético de resistência e aceitação que faz com que exista no campo da cultura “uma espécie de campo de batalha permanente”.

Outra conceituação do termo popular questionada por Stuart Hall é a que se refere a tudo o que o povo “faz ou fez”, que por ser abrangente e descritiva demais não permite uma diferenciação clara entre o que é e não é cultura. Este segundo ponto de dificuldade trata da categorização entre a cultura da periferia e a cultura dominante (povo x elite), uma fragmentação equivocada de um processo integrado, que é legitimada e instituída em diversos espaços sociais, como no sistema educacional, familiar, informacional etc.

A proposta do autor é de uma terceira definição para o termo, a que “considera, em qualquer época, as formas e atividades cujas raízes se situam nas condições sociais e materiais de classes específicas; que estiveram incorporadas nas tradições e práticas populares”.

O processo dialético da cultura popular, em relação contínua com a cultura dominante é destacado pelo autor, como ponto a ser considerado nos estudos e compreendido nos processos históricos não como “culturas inteiramente isoladas ou paradigmaticamente fixadas”, mas como um processo dinâmico de reorganização e recriação permanente.

Em contraponto à crítica de visão de cultura popular e tradição como algo que precisa ser preservado e mantido estático, Hall instiga a percepção de que “a cultura popular é um dos locais onde a luta a favor ou contra a cultura dos poderosos é engajada”. E isso diz muito sobre possibilidades de transformação no contexto mundial atual.

Da diáspora: Identidades e mediações culturais / Stuart HallOrganização Liv Sovik, Tradução Adelaine La Guardiã ResendeBelo Horizonte: Editora UFMG; Brasília : Representação da UNESCO no Brasil, 2003

Voltando aos poucos. E entrando de acordo no processo de pesquisa > Resenha para a disciplina de Teorias da Cultura - curso pós-graduação em Gestão Cultural pelo Celacc/ECA/USP

16.4.09

TOM


Entra outono
A vida vibra como brisa
Se transforma, renova, recria
Vem com o frio colorido de abril
Os ventos de maio, os cantos de dentro: o caminho certo


foto: joão castilho

21.1.09

NOTA EXPLICATIVA PARA UMA NOVIDADE


2009 representa para a Ora Boa dois anos de vida virtual, por meio deste blog, e quatro anos de vida prática, com intensa atuação na cena artística e cultural de Minas Gerais. Independentemente do tempo, esse período representa acima de tudo uma busca por um conceito em construção, que pode se experimentar e se definir aqui sem a pressão institucional de umas horas ou o deadline apressado de outras.

Esse caminho vem se construindo no limite tênue entre o objetivo e subjetivo, a realização profissional e a pessoal e outras entrelinhas mais. Tudo o que vêm sendo registrado aqui é feito com imenso prazer, mas não sendo a única coisa que se deseja compartilhar, a Ora Boa resolveu se multiplicar.

Por aqui uma pequena pausa, para avaliações e planos da prática profissional. Enquanto isso, para não ficar parado : Rapidinhas, a versão dicas da oraboa para experimentar o lado acelerado da web e te manter informado.

Toda semana tem agenda cultural e várias dicas de arte pra você acompanhar a tempo. Vai lá, mas não deixe de voltar sempre aqui hã?