A SINGULARIDADE DA ARTE EM UMA INTERVENÇÃO SOCIAL
As possibilidades e desafios para se conquistar mudanças sociais efetivas através da arte
Atual e principalmente em projetos de cunho artístico-social realizado com grupos de esferas sociais baixas ou em situação de risco, muitas ações que visam melhorias sociais são fundamentadas pelo binômio arte e cidadania. Pela crescente demanda por projetos desse tipo e pela parcela de recursos destinados a esse fim é preciso investigar se a arte pode realmente gerar essas transformações e como esse processo se concretiza.
Em um contexto de mercantilização da cultura, há de se considerar que uma noção de arte pode também ser utilizada para reforçar discursos e valores dominantes. Ou mesmo justificar altos investimentos de empresas em ações de marketing e responsabilidade social que mantêm o problema no mesmo patamar e transmitem à sociedade uma certa sensação de transformação.
Isso quando o que se chama de arte se concretiza em uma prática artística simplória e superficial que serve mais como ocupação de tempo para jovens do que representa uma real imersão no universo da expressão artística. Fato recorrente, por exemplo, no trabalho com a percussão, de grande riqueza e valor cultural, presente na maioria de projetos que envolvem negros moradores de favela. Nem sempre valores históricos e culturais associados ao tambor e sua relação com a ancestralidade africana, dentre outros aspectos relevantes e múltiplos são considerados nesse tipo de ação, que fica restrita à interpretação e reprodução de alguns ritmos.
Essa é uma percepção da arte apenas como prática livre, sem que seja considerada sua profundidade informativa, sua relação com outras áreas de conhecimento e sua capacidade de expressão. Questão essa que está em sintonia com a proposta teórica inicialmente desenvolvida no artigo “Singular”, apresentado no Congresso de Formação Artística e Cultural para América Latina e Caribe realizado de 8 a 10 de agosto de 2007 em Medellín, Antioquia, Colômbia.
Singular pode ser entendido como o momento em que a arte inicia um diálogo com a identidade de quem a cria ou a contempla. Em ambos os casos são momentos em que surgem as significações e interpretações, externalizadas em uma obra ou internalizadas na compreensão da mesma.
Singular porque é pessoal, exclusivo e intransferível, tanto a percepção como as transformações resultantes desse contato. Uma provocação da arte que convoca identidades, revela indicativos próprios de uma personalidade autêntica e promove a percepção do indivíduo enquanto parte importante e atuante no coletivo.
Considere essa singularidade própria da arte como possibilidade de gerar transformações. É desse contexto que surge, portanto, uma perspectiva para se trabalhar outras questões extra-artísticas, como é o caso de se pensar em arte para promover a cidadania.
Neste espaço de discussão e troca de experiências promovida pelo Congresso, foi muito questionada a estereotipada idéia do professor de arte, que se entende como “polivalente e que deve ministrar aulas de músicas, artes plásticas, teatro e ainda desenho geométrico”, como provocou a doutora em arte-educação Ana Mae Barbosa, ou ainda o hábito de se considerar a arte inferior a outras áreas científicas. Algumas práticas escolares e muitos dos projetos artístico-sociais da atualidade são realizados com esse fundamento e não exploram o potencial da arte de gerar transformações estruturais.
É preciso considerar os níveis de transformação que se pode alcançar com práticas que a princípio tratam do mesmo objetivo: arte para promover a cidadania. Uma prática que (re)conheça esse “processo de singularização”, conquista um campo mais viável de se explorar o conhecimento interdisciplinar, o potencial criativo da pessoa envolvida, podendo sim, ampliar a compreensão e formar personalidades autênticas, críticas e criativas com potencial para superar as dificuldades sociais da atualidade.
Por outro lado, práticas fundamentadas em uma compreensão mais superficial de arte também contribuem para esse processo, mas em escala menos abrangente, seja ocupando o tempo de jovens, por exemplo, para que não se envolvam com crime ou mesmo possibilitando um contato com a criatividade.
Essa não é exatamente uma opção de prática negativa, mas (re)conhecendo o potencial da arte para alcançar transformações mais estruturais, que promovam “mudanças de mentalidade”, como sugere o multipensador francês Félix Guattari, no livro “As três ecologias” há de se questionar como esse tempo oficial e esse objetivo associado à arte nas escolas e em projetos sociais vem se desenvolvendo, devendo ser, portanto, mais fundamentado para se efetivar.
Outros inter
Interdisciplinaridade é como a arte vem sendo pensada na área da arte-educação, como apresentou Ana Mae Barbosa na Conferência Magistral: “Arte na educação: interdisciplinaridade e outros inter”. A arte entre as áreas do conhecimento e também legitimada como uma área independente e específica deve ser reconhecida pela sua relevância. Estratégica porque dialoga e facilita o entendimento de coisas complexas e desconhecidas através do que é simples e conhecido, promovendo o que o formalista russo V. Chklovski no artigo “O procedimento da arte” considera como “uma percepção particular do objeto”. Fator que promove uma compreensão mais livre e pessoal de uma informação e oferece liberdade para que o conhecimento seja acessado com o potencial que cada pessoa possui: individual e autêntico.
Uma idéia conceitual sobre o que, no universo da arte-educação e dos projetos fundamentados em arte e cidadania, legitima essa possibilidade da arte de gerar transformações através do fortalecimento de identidades e compreensão da diversidade do coletivo e do conhecimento. Impõe-se agora o desafio de organizar essas reflexões em práticas que convivam com a estrutura econômico, jurídica, técnico-científica e de subjetivação que prevalece na sociedade contemporânea, sem que essa convivência resulte num processo de perda de autenticidade e de incorporação da expressão artística à lógica dominante, tal como vem acontecendo na indústria cultural. Transformações que, inspiradas nas possibilidades da arte, devem criar caminhos inversos, criativos, críticos, singulares.
fotos pedro david e helbeth trotta
2 comentários:
passando rapidim, lále...
pra dizer que antes das fotos eu mesma estava e estou sem foco.
mas vc crê se quiséééé´....
tente compreender,
férias à vista e casa, plantas, roupas pra lavar, crianças, passagens, contas...
tentei ligar pra vocêêêêêê...,
natal prá lá natal prá cá... e..... [três pontos são muito pouco pra essa reticência-sem-essência]
...se realmente quer ficar comigo não faz bola de meia com meu coração!
ano que vem tem mais!
aliás, junto com você, nunca para de ter!
adoro-tê!
bjs grandes
Lindo texto, Ludi. Saudade! Bjs, Cris
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