Descobrir os sentidos da vida no acaso. Transmitir através de janelas digitais o mundo em forma de arte. Inspiração? “Vem com o outro, é tudo aquilo que não está em mim”. As ferramentas são a fotografia, vídeo, cinema, todos reunidos na instância maior das artes plásticas. Uma multiplicidade de formatos. Assim é o universo do artista visual Cao Guimarães.
O laboratório de azulejo branco na casa do avô, em Belo Horizonte é a lembrança viva do fascínio despertado pela revelação das fotografias e do desejo insuperável de ver as imagens proibidas daquele arquivo médico. Aprendizado e suspense que inspiraram seus primeiros trabalhos, como a primeira exposição, realizada no Itaú Cultural em 1990: “As imagens eram muito impregnadas, mórbidas. Uma época meio dark, eu era jovem, e tinha uma coisa de esconder as imagens, de sobrepor camadas e camadas de imagem na fotografia, para que a realidade desaparecesse em partes”.
Em 1996, Cao Guimarães se mudou para Londres com a mulher – e também artista plástica – Rivane Neuenchwander. Lá, teve acesso a super 8, câmera digital prática e acessível, que se tornou seu instrumento de trabalho. “Em Londres, tinha o filme e a revelação que não existem no Brasil. Havia diferentes tipos de câmeras e até clubes de “super oististas”, onde era possível montar o filme. Eu comprei a câmera de vídeo e filmava o cotidiano daquela cidade, poesia... Você está distante das pessoas que gosta e passa a ter uma visão de fora do seu país, um olhar melancólico pela cidade”. Esse sentimento deu origem a dois trabalhos, “The Eyeland” (Terra do Olho), que remete à ilha da Grã-Bretanha, mas é um trocadilho, uma brincadeira com a palavra ilha, e “Between”, um inventário de pequenas mortes.
Vídeos e instalações trabalhadas no formato digital caracterizam o trabalho de Cao Guimarães. Com esse recurso, ele explora o mundo das mais variadas formas, transformando simples coisas da vida em arte e reflexão. Trabalhos como “Word World“ e “Hypnosis”, têm como protagonistas o trabalho das formigas em busca de doce, o primeiro, e as danças das luzes de um parque de diversões, o segundo. Situações que muitas vezes passariam despercebidas transformam-se em inspiração aos olhos do artista.
No final de 1998, Cao retornou ao Brasil. Um reencontro com a pátria e com novas inspirações. “Quando eu voltei pro Brasil tive a deliciosa sensação de redescobrir o País. Ou seja, o fim de toda aquela sensação de exílio, melancolia da distância”. Dominando as técnicas do super-oito, e da edição não linear, ele partiu para o interior do Brasil à procura de personagens que trabalhavam com profissões extintas, como ascensorista, tocador de sino e parteira.
Ao lado dos parceiros Lucas Bambozzi e Beto Magalhães, ele chegou ao “Fim do Sem Fim”, longa metragem que retrata, entre outras coisas, o povo brasileiro. As filmagens duraram um ano e dois meses, com uma equipe de apenas cinco pessoas. Na verdade, foram muitas mais, até encontrar pessoas que compartilhassem de uma mesma harmonia estética para completar o trabalho. Cao lembra, O Grivo, grupo de música experimental responsável pela trilha sonora de todos os seus filmes: “Eu sou o olho e eles são o ouvido. Isso é o cinema, a imagem e o som”.
Mas nem tudo é imagem em movimento. Em 2001, o artista lançou o livro Histórias do Não Ver, relatos de vários dias em que simulou um seqüestro e fotografou com os olhos vendados. Esse trabalho, apresentado também no formato de instalação, ganhou o Prêmio Aquisição no XVII panorama de arte brasileiro, no MAM (Museu de arte moderna) em São Paulo.
São muitas as referências para conhecer Cao Guimarães e muitas indicações de quem entende do assunto. Os vídeos narrativos “The Eyeland” e “Between” receberam o Prêmio Especial na IV Mostra do Museu de Imagem e Som, realizada em São Paulo em 2000. A instalação “O Sopro” foi vencedora do prêmio” É Cinema”, no segundo Festival Brasil Digital. “O Fim do Sem Fim” ganhou o prêmio” Renovação de Linguagem” em Marseille, na França e o” É Tudo Verdade, no VI Festival Internacional de Documentário. Enfim, um reconhecimento que levou seu trabalho aos quatro cantos do mundo.
Artista em constante renovação, Cao Guimarães não para. Em 2002 lançou o vídeo “Inventário de Raivinhas” e outros trabalhos que você acessa no site. Em 2004 o documentário ”A Alma do Osso”, vencedor do É Tudo Verdade, inaugurou sua trilogia sobre a solidão. “Andarilho” é o segundo da série, em cartaz no Usina Unibanco de Cinema, premiado como Melhor Direção, no Festival do Rio, em 2007; Melhor Filme no Forum.doc, de BH e selecionado para o Festival de Veneza, em 2008. Encerra a trilogia um filme sobre as multidões, que está em fase de produção. Tem que ver e por um olho mágico, descobrir a surpresa reservada para o outro lado.
O texto é de 2002 e o convite é para agora. Duas oportunidades para conhecer parte da obra de Cao Guimarães: Andarilho, em cartaz no Usina Unibanco de Cinema e exposição de artes plásticas no Museu de Arte da Pampulha. ‘Olho Mágico’ foi elaborado para a quinta edição do SOM – Informativo da Fundação de Educação Artística, em 2002. A estréia primeira no jornalismo fica aqui registrada (e brevemente atualizada) para não perder o fio da meada.
imagem 'andarilho' de cao guimarães
2 comentários:
Lud que texto lindo!!! uma maravilha de (re)descoberta, de re-vira-volta no arquivo. Como faz pra estar aí e compartilhar da arte de Cao se o mundo me prende nessas bandas? um beijo do tamanho da inspiração do Cao Guimarães e de sua genialidade.
Aquele quase magro, Anderson Ribeiro.
lud! vc não abanou o rabo, jiji
da próxima abane, vice?
beso
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