28.12.07

CAMINHOS CRIATIVOS


O desejo de uma pessoa envolveu dezenas de outras delas – fez do indivíduo um coletivo. Na capital, esse desejo se comprovou possível e se multiplicou em outros três municípios do interior do estado. Veio da tradição a inspiração para modernizar e viabilizar um coro cênico-musical bem brasileiro. São aparentes os antagonismos que se encontram e fazem a diferença do projeto "Titane e o Campo das Vertentes".

Em Minas Gerais , no Brasil e no mundo a cantora Titane imprimiu a sua marca como artista que explora novos caminhos criativos. Tendo na bagagem a interioridade de Minas Gerais e a contemporaneidade incorporada das grandes cidades, Titane faz a ousadia resultar em uma qualidade musical e artística bem particular. De onde vem, para onde vai, carrega influências diversas (da vanguarda paulistana ao congado mineiro) e desejos vários de experimentar possibilidades.

Com o projeto "Titane e o Campo das Vertentes" a experimentação para criar um coro cênico-musical se associa ao compartilhamento de técnicas e ao processo criativo e artístico feito em conjunto. Revela o potencial de uma ação que é grande por ser obra de muitos indivíduos que se entendem na coletividade e assim realçam a qualidade do todo.

Buscando meios de unir coro e percussão em um espetáculo harmônico e diferenciado, Titane encontrou no congado e no reisado típicos da sua terra natal, Oliveira, a referência para realizar esse seu desejo de cantora. A performance dos folguedos populares foi fonte inspiradora. O resultado foi satisfatório. O processo que se deu na cidade grande, em Belo Horizonte, com a realização de oficinas para preparação do coro, se mostrou um procedimento técnico eficiente que sustentava a viabilidade da proposta artística de Titane. Impulso suficiente para replicar e compartilhar em cidades do Campo das Vertentes a possibilidade de se fazer arte e ainda ir um pouco além, provocando identidades e reflexões sobre a coletividade.

Assim, em 2006, essa experiência subiu a serra e chegou às cidades de Oliveira, Itapecerica e Divinópolis, na região centro-oeste de Minas Gerais, conhecida como Campo das Vertentes. Oficinas de técnica musical, cênica e corporal são oferecidas para interessados com idades entre 15 e 25 anos. Titane, João das Neves e Irene Ziviani atuaram juntos, os três, ao mesmo tempo, na sensibilização e preparação artística dos 20 selecionados em cada uma das cidades.

A estratégia de integrar as artes, do ponto de vista prático, busca colocar as pessoas em contato com elas próprias, com os seus potenciais e diferenciais, para então situá-las diante do todo, do coral cênico-musical que é feito de todos e de cada um. Num âmbito mais abrangente, dessa nova percepção provocada pela arte surgem possibilidades do indivíduo descobrir seu impulso criativo e sua localização e atuação no mundo. Um micro influenciando o macro (ou o indivíduo na coletividade), como um cantor faz o coro acontecer.

A preparação resultou na criação e montagem do espetáculo "Titane e o Campo das Vertentes", que completou as atividades do projeto em 2006. Neste momento de finalização, se aproximaram outros artistas, como Sérgio Pererê e Makely Ka. Makely teve suas canções e versos interpretados por esse coro cênico-musical. Pererê, além de atuar como autor convidado, foi incorporado à equipe de preparadores e diretores do espetáculo. Como representantes da geração de compositores e músicos dos dias de hoje, a chegada de Sérgio Pererê e Makely Ka, no velho e bom mineirês, é considerada "boa demais", pois traz ares de renovação e ineditismo a esse projeto que é diverso e particular, artístico e social.

Concretizada essa primeira etapa, o projeto “Titane e o Campo das Vertentes” em 2007 retornou à Divinópolis e foi além, chegando à cidade de São João del-Rei, onde o espetáculo foi apresentado para um grande público. A continuidade do trabalho e os resultados visíveis no talento dos jovens em pleno desenvolvimento confirma que a mistura resulta. O projeto continua, estimulando vocações artísticas, difundindo arte e criatividade, propiciando aos envolvidos momentos singulares, mas gerando efeitos que só se conjugam no plural.

fotos joão castilho

21.12.07

do meu pensar


A SINGULARIDADE DA ARTE EM UMA INTERVENÇÃO SOCIAL

As possibilidades e desafios para se conquistar mudanças sociais efetivas através da arte

Atual e principalmente em projetos de cunho artístico-social realizado com grupos de esferas sociais baixas ou em situação de risco, muitas ações que visam melhorias sociais são fundamentadas pelo binômio arte e cidadania. Pela crescente demanda por projetos desse tipo e pela parcela de recursos destinados a esse fim é preciso investigar se a arte pode realmente gerar essas transformações e como esse processo se concretiza.

Em um contexto de mercantilização da cultura, há de se considerar que uma noção de arte pode também ser utilizada para reforçar discursos e valores dominantes. Ou mesmo justificar altos investimentos de empresas em ações de marketing e responsabilidade social que mantêm o problema no mesmo patamar e transmitem à sociedade uma certa sensação de transformação.

Isso quando o que se chama de arte se concretiza em uma prática artística simplória e superficial que serve mais como ocupação de tempo para jovens do que representa uma real imersão no universo da expressão artística. Fato recorrente, por exemplo, no trabalho com a percussão, de grande riqueza e valor cultural, presente na maioria de projetos que envolvem negros moradores de favela. Nem sempre valores históricos e culturais associados ao tambor e sua relação com a ancestralidade africana, dentre outros aspectos relevantes e múltiplos são considerados nesse tipo de ação, que fica restrita à interpretação e reprodução de alguns ritmos.

Essa é uma percepção da arte apenas como prática livre, sem que seja considerada sua profundidade informativa, sua relação com outras áreas de conhecimento e sua capacidade de expressão. Questão essa que está em sintonia com a proposta teórica inicialmente desenvolvida no artigo “Singular”, apresentado no Congresso de Formação Artística e Cultural para América Latina e Caribe realizado de 8 a 10 de agosto de 2007 em Medellín, Antioquia, Colômbia.

Singular pode ser entendido como o momento em que a arte inicia um diálogo com a identidade de quem a cria ou a contempla. Em ambos os casos são momentos em que surgem as significações e interpretações, externalizadas em uma obra ou internalizadas na compreensão da mesma.

Singular porque é pessoal, exclusivo e intransferível, tanto a percepção como as transformações resultantes desse contato. Uma provocação da arte que convoca identidades, revela indicativos próprios de uma personalidade autêntica e promove a percepção do indivíduo enquanto parte importante e atuante no coletivo.

Considere essa singularidade própria da arte como possibilidade de gerar transformações. É desse contexto que surge, portanto, uma perspectiva para se trabalhar outras questões extra-artísticas, como é o caso de se pensar em arte para promover a cidadania.

Neste espaço de discussão e troca de experiências promovida pelo Congresso, foi muito questionada a estereotipada idéia do professor de arte, que se entende como “polivalente e que deve ministrar aulas de músicas, artes plásticas, teatro e ainda desenho geométrico”, como provocou a doutora em arte-educação Ana Mae Barbosa, ou ainda o hábito de se considerar a arte inferior a outras áreas científicas. Algumas práticas escolares e muitos dos projetos artístico-sociais da atualidade são realizados com esse fundamento e não exploram o potencial da arte de gerar transformações estruturais.

É preciso considerar os níveis de transformação que se pode alcançar com práticas que a princípio tratam do mesmo objetivo: arte para promover a cidadania. Uma prática que (re)conheça esse “processo de singularização”, conquista um campo mais viável de se explorar o conhecimento interdisciplinar, o potencial criativo da pessoa envolvida, podendo sim, ampliar a compreensão e formar personalidades autênticas, críticas e criativas com potencial para superar as dificuldades sociais da atualidade.

Por outro lado, práticas fundamentadas em uma compreensão mais superficial de arte também contribuem para esse processo, mas em escala menos abrangente, seja ocupando o tempo de jovens, por exemplo, para que não se envolvam com crime ou mesmo possibilitando um contato com a criatividade.

Essa não é exatamente uma opção de prática negativa, mas (re)conhecendo o potencial da arte para alcançar transformações mais estruturais, que promovam “mudanças de mentalidade”, como sugere o multipensador francês Félix Guattari, no livro “As três ecologias” há de se questionar como esse tempo oficial e esse objetivo associado à arte nas escolas e em projetos sociais vem se desenvolvendo, devendo ser, portanto, mais fundamentado para se efetivar.

Outros inter

Interdisciplinaridade é como a arte vem sendo pensada na área da arte-educação, como apresentou Ana Mae Barbosa na Conferência Magistral: “Arte na educação: interdisciplinaridade e outros inter”. A arte entre as áreas do conhecimento e também legitimada como uma área independente e específica deve ser reconhecida pela sua relevância. Estratégica porque dialoga e facilita o entendimento de coisas complexas e desconhecidas através do que é simples e conhecido, promovendo o que o formalista russo V. Chklovski no artigo “O procedimento da arte” considera como “uma percepção particular do objeto”. Fator que promove uma compreensão mais livre e pessoal de uma informação e oferece liberdade para que o conhecimento seja acessado com o potencial que cada pessoa possui: individual e autêntico.

Uma idéia conceitual sobre o que, no universo da arte-educação e dos projetos fundamentados em arte e cidadania, legitima essa possibilidade da arte de gerar transformações através do fortalecimento de identidades e compreensão da diversidade do coletivo e do conhecimento. Impõe-se agora o desafio de organizar essas reflexões em práticas que convivam com a estrutura econômico, jurídica, técnico-científica e de subjetivação que prevalece na sociedade contemporânea, sem que essa convivência resulte num processo de perda de autenticidade e de incorporação da expressão artística à lógica dominante, tal como vem acontecendo na indústria cultural. Transformações que, inspiradas nas possibilidades da arte, devem criar caminhos inversos, criativos, críticos, singulares.

fotos pedro david e helbeth trotta

17.12.07

PARALELAS QUE SE ENCONTRAM

O tráfico é a faísca acesa no morro de pólvora. Favela cor de canela, também manca das pernas básicas de educação e cultura - estrutura. Neste labirinto de barracos quase nunca visitado pelos telespectadores assustados, que formam sua opinião pelo esvaziado jornal diário, o jovem branco de classe média pode entrar pra fazer qualquer coisa, inclusive aprender.

Se surpreender com os lados de algo mais além da moeda. Perceber que a bomba que explode a cada momento é sim da guerra civil, deixada de lado pelo estado, mas é também de criatividade, de uma ação bem particular que circula nas mãos dos jovens de lá.

Alguns filmes se encarregaram bem de registrar e revelar as mazelas do crime. Alguns projetos sociais vêm superar o estigma do assistencialismo, mesmo sendo a maioria ainda gerenciada por instituições do centro da cidade em mais um dos empreendimentos de altos investimentos e baixos resultados.
Essa atenção recente e cada vez mais crescente às favelas ainda tem mantido o problema no mesmo lugar. Mesmo assim, aos poucos e cada vez mais, essa mudança de contexto tem estimulado a articulação de jovens que estão vivenciando experiências artísticas e culturais e dando vazão às suas inquietações através de iniciativas próprias e promissoras.

Reunindo fragmentos vindos da mídia e vivenciando gradualmente a vida em comunidades é possível descobrir uma realidade paralela fundada em práticas comunitárias, em uma recriação de valores que são próprios desse lugar e se incrementados, podem sugerir saídas adequadas à realidade do Brasil.

O centro perdeu algo que ainda se mantém na periferia. Em que resulta o encontro de jovens neste contexto? O saber vindo da universidade, das vivências do lado mais estruturado da sociedade, sempre tende a se colocar superior. A lógica de um jovem de classe média que sobe a favela, pra ele e pra sociedade, é de que ele vai lá para ensinar, para suprir o que falta. Isso acontece até se perceber a impotência diante de uma realidade que é própria, “nem melhor, nem pior, apenas diferente”, aproveitando o verso do rapper Black Alien.

As diferenças acabam fortalecendo a parceria e o processo fica lento até que a conexão de saberes começa a se estabelecer, avança em meio a tropeços e aprendizados, mas acontece. Como aconteceu com o projeto RedeMUIM de Arte e Cultura, pelo segundo ano realizado pelo Criarte – Comunidade Reivindicando e Interagindo com Arte do Aglomerado da Serra, Belo Horizonte, em parceria com jovens da No Ato Cultural e Ora Boa Arte e Comunicação Social.

Voltado para a formação individual de agentes, produtores e grupos culturais, a primeira edição do RedeMUIM em 2006 introduziu os jovens nos conceitos de gestão e produção cultural. Montou-se um curso de três meses de duração e aulas ministradas por profissionais renomados que tiveram o desafio de transmitir conhecimentos geralmente restrito às universidades, para jovens de baixa escolaridade e experiência prática nos mercados mais diversos, além dos grupos culturais em que estão envolvidos.

Da primeira etapa teórica, muitos princípios ficaram marcados e especialmente a referência dos profissionais que ministraram as aulas e apresentaram aos jovens as diversas áreas de atuação no mundo do trabalho artístico e cultural. Para selar o início dessa formação e o fim dessa primeira etapa, um evento para aplicar os conhecimentos de produção e comunicação. No dia 10 de setembro de 2006 aconteceu a primeira edição do ‘Aglomere-se – Mostra RedeMUIM de Arte e Cultura’. O evento foi realizado “no ponto”, entre as ruas Alípio Goulart e Capivari, a divisa geográfica entre o morro e o asfalto. O momento era de violência e conflito, o Aglomere-se aconteceu fora do morro, mas nesse dia não houve nenhuma morte.

Em 2007 o projeto se ampliou e na proposta de fortalecer a rede cultural do Aglomerado da Serra, o RedeMUIM ofereceu formação e buscou a participação ativa dos jovens. No caminho dessa meta novos desafios de mobilização, de entendimento conjunto da proposta, de infra-estrutura e preparação técnica.

A mobilização se efetiva basicamente a partir do entendimento da proposta e depois com a disposição e dedicação dos envolvidos para realizar esse ideal. No primeiro caso o RedeMUIM era uma novidade, que atraía pela oportunidade – curso gratuito realizado dentro da comunidade – mas tratava de um universo profissional e de aparatos tecnológicos desconhecidos da maioria dos jovens.

A falta de acesso se revelou um fato. E iniciar os participantes no universo da tecnologia e internet também se tornou um objetivo do projeto, pra driblar a inexperiência dos alunos, principalmente no manejo de softwares de design e site e ao mesmo tempo buscar realizar a demanda do projeto: realizar novas edições do evento Aglomere-se, criar as peças gráficas de divulgação e construir o site do Projeto e o jornal que foi intitulado “Entre Becos e Vielas”.

Em suma, manter equipes de comunicação e produção trabalhando de maneira integrada, realizando ações culturais na comunidade, participando de uma capacitação em processo.

Envolvidos nessa missão estavam os membros do Criarte, que firmaram parceria com a produtora No Ato Cultural para assumir a coordenação de produção e a Ora Boa Arte e Comunicação Social para a coordenação de comunicação, ambas constituídas por recém-formados no curso de Comunicação Integrada na PUC Minas. Uma união de diferentes, atuando juntos e de maneira complementar num projeto que exigiu conhecimentos técnicos trazidos pelos jovens universitários e a criatividade e a experiência coletiva e comunitária vindo com os jovens do aglomerado.

No andar da carruagem, percebeu-se que a capacitação em processo envolvia os participantes, e também os coordenadores, sem exceção. Em cada reunião de definição dos eventos, das pautas do jornal, do conteúdo do site surgia uma surpresa, uma proposta ou uma ação inusitada que revelava o conhecimento e a intenção dos jovens na sua comunidade, mostrava as particularidades e a identidade daquele local.

Foi necessário e imprescindível experienciar os fatos e perceber as manifestações das potencialidades. O pensamento se ajusta, se amplia e se direciona quando é colocado à prova. Realizar o projeto RedeMUIM de Arte e Cultura, unindo saberes, buscando compartilhar técnicas e infra-estrutura, é um aprendizado contínuo, uma experiência satisfatória de perceber aos poucos que a realidade social do asfalto não é a única possibilidade. Outras podem estar em processo de construção.

14.12.07

AMANHÃ VAI TER

Em terras paulistas, no melhor lugar da casa do paraibano Chico César, o poeta pernambucano Abel Menezes solta os versos sobre o inexistente carnaval de Belo Horizonte.

Foi um divirto pra mineira aqui, que não pestanejou e quis logo saber que história é essa de poesia pró-carnaval em BH, feita justo por ele que vem de onde se tem a melhor folia até então vista!

Logo veio a explicação: são versos inspirados nesse mar de montanhas, feitos pro Ortinho musicar, um talento vindo de Caruaru que faz um som bacana e vai aportar na cidade nesse fim de semana.

Ortinho vem no ‘Temporal PE’, festival que passou por São Paulo com a presença também de Daniel Belleza e Lúcio Maia com seu Maquinado (!) e chega a Belo Horizonte pra estréia em palcos mineiros, acompanhado da Nação Zumbi (de disco novo), Junio Barreto (PE) e do mineiro Pedro Morais. Sabadim, dia 15, a partir das 22h, no Freegells Music.

Os versos do carnaval? Quando sair a música a gente canta junto. Nesse meio tempo vai se investigando a sintonia ( intergalática ? :) entre Pernambuco e Minas.

31.10.07

ONTEM TEVE




Mistura que resulta


Pegue a energia resultante do encontro de jovens, acrescente a criatividade latente de músicos em formação, coloque tudo em espaços abertos à experimentação, tempere a gosto, solte o corpo e escute bem: a Misturada Orquestra está vindo com tudo e, sem grandes cerimônias, é o melhor que está tendo.


São muitos músicos, uma diversidade de estilos, instrumentos e referências musicais, uma Misturada Orquestra que apresenta um refinado som instrumental. É música mineira, ritmo das montanhas, do alto recolhido e introspectivo, com horizonte à vista. E é música contemporânea, aquela mistura que resulta, com toques de Jobim, Hermeto, Clube da Esquina, Moacir Santos e criações de Rafael Martini, João Antunes, Antônio Loureiro e outros integrantes do grupo, autores de parte do repertório apresentado.


Espetáculo a parte, a direção musical de Mauro Rodrigues revela as bases, dá o tom do clima e com energia orienta as ações dos mais novos músicos, compositores e instrumentistas de Minas Gerais. É ele com toda a turma reunida e muitos ritmos, um encontro no palco que envolve a platéia e agrada os ouvidos.


O melhor de tudo? No mês de novembro a Misturada Orquestra vai estar toda terça-feira no Mezzanino do Café Travessa. Surpreenda-se.

30.8.07

HOJE TEM


Uma homenagem feita por artistas diversos, intimados a criarem e experimentarem com liberdade é também um convite para se conhecer John Cage. São 95 anos de nascimento e 15 anos de desnascimento desse representante da música contemporânea que justificam essa celebração a ser realizada pelos poetas Ricardo Aleixo, Ana Caetano e Marcelo Dolabela hoje em Belo Horizonte.

+95-15=John Cage revela o alcance das influências desse “profeta da arte interdisciplinar”, como disse Augusto de Campos. Portanto, anuncia Ricardo Aleixo “nenhuma das performances vai fechar na área do artista responsável por ela”. E nesse palco vão estar reunidos os multiartistas Ana Caetano, Benedikt Wiertz, Antônio Loureiro, Izadora Fernandes, Letícia Castilho, Marcelo Dolabela, Marcelo Kraiser, Ricardo Aleixo, Sérgio Medeiros e Território Mudo. (tem um tanto sobre eles aqui)

A busca por interdisciplinaridade e uso de linguagens híbridas, uma marca da obra de Cage e um anseio da década de 60, é hoje uma realidade confirmada em cada um desses artistas. Influenciados por essa busca e legitimadores dessa linguagem artística contemporânea, juntos eles vão realizar performances e referenciar esse ícone da evolução musical do século XX.

No mundo ora um tanto hermético da arte contemporânea, John Cage poderia ser considerado uma referência “popular”? Ricardo Aleixo o considera tanto pop quanto popular e lança o convite pra conferir o vídeo de Cage em um programa de auditório americano. Uma experiência que “é o contrário da impenetrabilidade da arte contemporânea que a gente convive”, antecipa.

Com sua orquestra “caseira” Cage faz uma música fundamentada em ritmos, com o ruído no lugar das notas e toda a liberdade para que circulem sons do ambiente, dos objetos e do silêncio. Com movimentos simples e instrumentos bem “familiares” ele revela uma arte que não se separa da vida e por isso parte da sinfonia é composta também pelos manifestos da platéia. Como foi integralmente com a clássica composição 4’33’’, ela toda fruto do seu silêncio e das explanações do público.

Sem dúvidas, John Cage rompeu barreiras e não fez isso sozinho. Abriu caminhos na música e junto com outros artistas das artes plásticas, vídeo-arte, literatura e música experimentaram fusões e fundaram o movimento de arte neo-dadaísta de nome Fluxus.

A performance e as criações do poeta Ricardo Aleixo refletem passagens pelos caminhos trilhados por Cage. Ele conta da surpresa de americanos, em recente viagem aos EUA, ao descobrirem que no Brasil Cage também é visto como poeta. A referência é aos mesósticos, trabalhos gráficos do artista que Ricardo considera como uma estrutura das formas verbais com muita competência de linguagem. “É motivo para nós enquanto poetas nos aproximarmos dele. Poeta no sentido do uso da palavra, mas também dos desdobramentos desse trabalho que chega até a performance e a musicalização”.

Linguagens híbridas e especialmente happenings e performances adaptadas aos tempos de hoje estão na prática da intermídia proposta para a homenagem +95-15=John Cage que vai rolar nessa quinta, dia 30 de agosto, às 19h, na Sala Multiespaço da Oi Futuro (Av. Afonso Pena, 4001). Artistas de varias áreas vão tentar transcender o limite da linguagem a qual está identificado, apropriando-se dessa liberdade lançada por John Cage. É só chegar e conferir.

22.8.07

DE LÁ DE DIAMANTINA

Montanha de pedra
Moldura da vida
De Diamantina

E eu lá naquele festival de inverno sem frio

Num imenso céu
Apagaram-se as estrelas
Lua quase cheia

Quase haicais descobertos na trilha que teve Alice Ruiz como guia. Despertou curiosidade e interesse, ela que sabe dos pequenos versos, da grande poesia da vida.

Para terras mineiras ela veio de Curitiba. De São Paulo veio o poeta Antônio Cícero junto com os parceiros Ná Ozzetti (voz) e André Mehmari (piano), dentre outros de outros cantos do Brasil. A poesia e a canção paulista reunidas no Festival de Inverno da UFMG fortaleceram laços já existentes entre a terra do pão de queijo e a terra da garoa.

Este ano faltou apenas o inverno. Era a mesma Diamantina, invadida por mineiros, brasileiros, estrangeiros, subindo e descendo ladeira, participando da intensa programação do 39º Festival de Inverno da UFMG.

Na pauta dos “Territórios Híbridos – Linguagens Contemporâneas” o formato clássico de oficinas, mostras e eventos se repetiu sem cansar, com inovações no conceito do festival e também na lista de convidados para a programação.


Para quem passou apenas três dias na cidade, curtos e intensos dias, como a oficina de Haicai ministrada pela poeta Alice Ruiz, o olhar não foi tão longe, mas foi pra dentro, cabendo a síntese no show de André Mehmari e Ná Ozzetti .

Ele ao piano, ela toda voz. Caminhos interdependentes que surpreendem pela coesão. Ele recorta e cola melodias diversas, numa velocidade estonteante. Ela recria tudo e torna inédito o que antes se conhecia. Esse foi mais um show do trabalho Piano de Voz – André Mehmari e Ná Ozzetti registrado em CD e mais recentemente em DVD.

Nada se repetiu, nem mesmo o repertório refeito nos arranjos dos artistas e com algumas novas pérolas incluídas. Dentre essas, inevitável citar a inclusão da canção “Clube da Esquina 1” seguida da também mineira “Os povos” que arrancou aplausos infinitos do público e revelou uma intensidade artística que as palavras não alcançam.

A mistura “café com leite” - que fez história na república de um Brasil quase moderno – além de uma (deliciosa!) opção gastronômica, está se definindo também como uma parceria definitiva entre a música de Minas e Sampa. Odes, citações e composições conjuntas registradas em canções de artistas como Kristoff Silva e o seu novíssimo disco “Em pé no porto" e outros mineiros estão aí pra confirmar o dito.

Agora, há de se esperar os desdobramentos resultantes desse Festival. A nova geração da música mineira marcou presença nas oficinas, com destaque para Rafael Martini, João Antunes, Rafael Macedo e Antônio Loureiro, dentre outros que participaram da oficina de André Mehmari. Outros laços foram estreitados na oficina de Ná Ozzetti, “A voz como instrumento de expressão” com a participação das cantoras Leonora Weissmann, Ana Hadad e Leopoldina, que registrou o momento no seu blog Mundo Música S/A. Clica lá pra saber como foi e então aguardar o que virá.

5.8.07

'SINGULAR' NA COLÔMBIA


SINGULAR EM 250 PALAVRAS

A possibilidade da arte na transformação da sociedade. O artigo “Singular” busca tratar dessa questão cada vez mais recorrente em ações sociais no Brasil e no mundo. Quais são os conceitos que embasam essa tendência? A arte é um meio ou um fim? As transformações necessariamente representam melhorias no desenvolvimento humano? Partindo do conceito do ‘singular’ no universo artístico, que pode ser entendido como uma busca e um meio de se acessar subjetividades e identidades para que mudanças interiores e individuais possam se irradiar sobre o coletivo, o artigo problematiza que a resposta pode ser sim e não. Arte para instigar novos comportamentos ou para fortalecer estruturas de pensamento dominantes e cristalizadas – as ações que carregam o sobrenome de “Arte e Cidadania” precisam ter consciência dessa possibilidade, da via de mão dupla que a arte também abriga e podendo se adequar a diferentes objetivos/interesses.

A argumentação teórica surgiu inspirada nas ações práticas desenvolvidas em Belo Horizonte/Minas Gerais, com o Grupo Cultural NUC, formado por jovens moradores de periferia que se organizaram e desenvolvem projetos artísticos com enfoque no movimento hip hop. Fraquezas e fortalezas inerentes à essa iniciativa sócio-cultural, acompanhada de perto, num processo participativo e colaborativo tornam-se um reflexo prático da discussão teórica promovida no artigo “Singular”. Apresenta-se aqui um diálogo entre as idéias do filósofo e multipensador Félix Guattari e do conceituado rapper brasileiro B Negão, ambos propondo mudanças comportamentais, convidando à reflexão do despertar da consciência crítica e criativa que pode ser motivada pela arte.

O artigo Singular foi apresentado no Congresso de Formação Artística e Cultural para a América Latina e Caribe, na mesa “Educação artística, Sociedade, Convivência e Desenvolvimento Humano”, dia 08 de agosto de 2007, em Medellín, Antioquia, Colômbia.

23.7.07

AUTÓFAGO ESTÁ NA RUA

Makely é desses que conhece bem as etapas da cadeia produtiva, se apropria dos processos e faz de tudo. De tudo mesmo: da gravação à distribuição do seu trabalho. Não que isso seja bom, se não qual o sentido desse texto de apresentação?
Mas também não é exatamente ruim, pois conhecendo e se alinhando às diferentes etapas do processo dá pra ir mais longe com as parcerias. Como vem sendo:






Autófago está na rua

Um “pop” que suporta o peso da poesia crítica de Makely Ka. Autófago traz essa revelação. Makely na evolução de sua carreira solo, construída com base em experimentações e em produtivas parcerias. Pop que não é raso, não tem pressa. Expressa com letras e ritmos todo o anseio do lado de dentro, de quem segue o caminho desse amplo mundo vindo com o novo tempo que ele avista, compreende e critica.

Aposta no suporte simples que sustenta e valoriza sua rima. Música a favor da poesia, poesia a
serviço da música. Arte convidando a uma ‘Endoscopia’, a um posicionamento – aversão à mídia vazia, à apropriação ilimitada das informações.

Infinidade de possibilidades. A criação de Makely Ka se apropria bem disso e não é apenas isso. Na esteira dos artistas que vieram antes e registraram a emoção de uma época em princípio de transição – aí se encontra Torquato Neto, Jorge Mautner, Wally Salomão, Paulo Leminski e outras referências inerentes – “Autófago” vem dizer do seu tempo, do processo “auto-digestivo” de informações tantas e diversas existentes e presentes na obra musical de Makely Ka.

Prática de autofagia (ponte de) música de sentidos, trilha que leva o círculo ao espiral – caminho de ida às voltas. Poeta do dia-a-dia na realidade vazia. Diálogo na era da surdez coletiva, convite para explorar a diversidade brasileira nas letras e melodias, ambas de sua autoria. Recortes e fragmentos, retratos musicais deste nosso novo tempo velho em idade, zerado em referências, perdido entre as leis reguladoras e a liberdade esfuziante das novas tecnologias. Dinâmico e coeso, “Autófago” transita em conflito e harmonia com esse tempo.

Makely, aquele que canta, compõe, escreve, se auto-produz, multiplica ações, encara e confronta o contexto, se impõe na dureza, se faz entender pela clareza de sua expressão. Em versos e canções, experimentando formatos e planos de ação Makely evoluiu no seu discurso e finalizou um produto cultural irretocável. “Autófago” está na rua.

17.7.07

RECRIANDO A INDÚSTRIA

Um dia veio a indústria cultural, famigerado conceito que surgiu em meio às teorias filosóficas dos alemães Theodor W. Adorno e Max Horkheimer, da Escola de Frankfurt, apontando o que seria mais uma forma espúria de se reforçar os valores do capitalismo.

“O rebaixamento do nível da criação humana e a transformação das manifestações mais nobres do espírito em banalidades comercializáveis” eram as indesejáveis conseqüências desse processo. Nesses tempos em que a arte é produto descartável e os artistas reprodutores de fórmulas cristalizadas pode-se perceber a prática legitimando essa teoria.

Mas tudo é indústria e ela mesma, e seus substantivos complementares, a começar pelo capitalismo, sugerem um processo tão estratégico que nunca se encerra: ela se recria, se adapta e ainda assim predomina.

Acrescente-se à essa lógica mutável e dinâmica, a criatividade da arte. Pois bem, esse “detalhe” tem viabilizado ações coletivas rumo a uma recriação de processos e a sustentabilidade da cena da música independente.

Sustentabilidade que vem da consciência das diferentes etapas que precisam ser executadas. Da compreensão da lógica da indústria cultural que se compara à Cadeia Produtiva da Cultura, com as suas etapas organicamente relacionadas de forma que a ordem dos fatores pode até se alternar, mas os resultados sempre levam ao consumo, que estimulam novas criações, e por aí vai.

Hoje, a indústria cultural tem ganhado novas definições e releituras, algumas delas apresentadas por Enrique Saraiva, coordenador do Núcleo de Estudos em Gestão Cultural da FGV/Rio, na comunicação “Notas sobre as Indústrias Culturas”, publicada na Revista Observatório Itaú Cultural.

Nas referências citadas no texto com as derivações sobre o que é indústria cultural ele cita que em todos “aparecem, implícita ou explicitamente, três elementos permanentes: o ato de criação, o suporte tecnológico para sua difusão e o seu lançamento no mercado”. E é justamente a “integração dinâmica desses três elementos que constitui a essência da indústria cultural”.

Esses três elementos são sinônimos das etapas organizadas da cadeia produtiva: produção, circulação e difusão. Etapas que contemplam o trabalho dos artistas e também dos jornalistas, dos produtores, dos patrocinadores, do poder público, dos empresários, do público-alvo, da população de massa, na teoria relacionados, na prática do mercado independente por hora um pouco desarticulados.

Todos essencialmente participantes e geradores da cadeia produtiva, iniciada por artistas que antes nem tinham compreensão de todas essas etapas e agora não só a compreendem como alguns também a executam do início ao fim. "Se o poeta não escrever seu poema, a indústria cultural inexistirá".

Pode ser assim também, mas seria mais eficiente ter os espaços ocupados por diferentes atuando de maneira integrada e complementar. De preferência que sejam espaços apropriados por profissionais que fazem do ofício uma arte, com criatividade suficiente para aplicar doses de autenticidade à lógica mecânica, mas vitoriosa, das indústrias, neste caso culturais.

A comunicação de Enrique Saraiva na rede

7.7.07

EM CENA

Uns olhares vieram de fora contribuir coletivamente com o esboço de uma cena da música mineira, aquela que um dia se delineou e seguiu se constituindo aos poucos, como micro-coletivos isolados, talvez por isso enfraquecidos. Veio assim à vista essa cena, logo depois das discussões que rolaram no Stereocubo, programa de debates do projeto Stereoteca que em 2007 trouxe pra pauta o tema “Música daqui pra frente” e como referência o Espaço Cubo, um coletivo muito ativo que fez a cena rock do Mato Grosso despontar nacionalmente.

Veio junto com esse coletivo a percepção dos pilares que fazem um mercado cultural acontecer direito, com direito a tudo o que determina a cadeia produtiva da cultura. Uma lógica do mercado acrescida de toda a liberdade criativa da arte. É assim que eles fazem: entendem de processos e se permitem chegar a soluções criativas para que a produção artística siga bem aventurados rumos, Brasil afora, ou melhor dizendo, a dentro.

Como a moçada não para de fazer a coisa acontecer (é dinâmico mesmo) siga os atalhos e descubra na rede tudo o que eles fazem por aí. Aqui algumas idéias, desdobramentos da intensa temporada de debates que rolaram em terras mineiras, eles contando de lá, trocando com a gente aqui, botando pilha no processo.




A princípio pitadas de influências do centro-oeste do Brasil, de onde eles vêm, e do norte, onde eles mantêm várias articulações. É um processo diferente visualizar eles que são como a gente à frente de iniciativas muito criativas, coletivas e talvez por isso muito viáveis. Primeiro as referências, pra ajudar a juntar os fatos. Na seqüência, o encontro de muitos de Minas que estão na mesma, ali juntos em torno de um mesmo assunto – foram 6 mesas de debate que buscaram cobrir as diferentes etapas do trabalho com a arte e a cultura, à frente delas profissionais daqui e de outros cantos do país - dá uma olhada na programação.

Depois disso o link, a interseção entre fatos comuns, a mesma juventude, os mesmos “tempos de cólera”, o mesmo pique, particularmente várias oportunidades, bem como específicos buracos a serem preenchidos. Levantada toda a poeira, o arremate veio certeiro. Em terra que fez Reciclo Geral, tem Música Independente, Stereoteca e Conexão, tem produção ativa e potencial, onde tem Rádio Inconfidência e Rede Minas de Televisão com comando profissional e os músicos já se organizaram em associações, a costura tá no ponto de começar.