23.4.09

1266


Largas ruas ligam a metrópole. Avenidas imensas se transformam em corredores de alta velocidade por onde os monumentos são rapidamente avistados aguçando histórias com o taxista.

- Em São Paulo existem muitos cemitérios no meio da cidade.

- “Moro ao lado do maior da América Latina, que fica em Vila Formosa”

O “Formosa” soa tímido, quase inaudível.
- Fica para os lados de Aricanduva, na Zona Leste. Ele completa.

Das grandes regiões de São Paulo, essa talvez seja a maior. O metrô pra lá diz ser o mais lotado. O palpite acabou sendo que o tamanho de Belo Horizonte inteira devia corresponder a toda a Zona Leste paulista.

Mais adiante, o casamento na clássica igreja puxa o papo para o refúgio histórico num lugar de representativa arquitetura. O que mais chama a atenção é o nome da Igreja, que o taxista desconhecia.

- Nossa Senhora do Brasil. Disse “toda entendida”.

Tantas idas já deu pra descobrir as belezas paulistas reveladas da Avenida Henrique Schaumann, que vira Brasil e passa pelo Ibirapuera onde são incontidas as lembranças de caminhadas no parque, visita aos museus, especialmente ao Museu Afro Brasil que guarda histórias dos nossos ancestrais.

Foi dizer isso para o taxista que ele confessou menos timidamente que sua mulher é negra, revelando-se interessado em confirmar a emoção gerada pela nossa inevitável identificação no Museu Afro Brasil com cores, cantos, gestos, roupas e hábitos vindos da África e outros já existentes no Brasil pré-colonial que nos dão a aconchegante percepção de berço – história – nação.

Uma troca simples que emocionou pela espontaneidade. Ele disse que com certeza iria a este Museu com os filhos e a mulher que ele garante, já foi ao parque. O convite talvez tenha sido estendido também aos colegas taxistas que ele encontrou ali no Aeroporto de Congonhas, onde peguei mais uma vez o vôo 1266.

Cena Carioca - obra de Heitor de Prazeres - acervo do Museu AfroBrasil

17.4.09

UMA LEITURA DE STUART HALL


“O estudo da cultura popular é como o estudo da história do trabalho e de suas instituições”.

A problematização que Stuart Hall, teórico cultural jamaicano radicado no Reino Unido apresenta no artigo “Notas sobre a desconstrução do ‘popular’”, trata dos desafios de periodização da cultura popular e da definição de um conceito único para o termo “popular”.

Suas reflexões são fundamentais para se evitar redundâncias e equívocos no estudo da cultura popular, apresentando um ponto de vista esclarecedor, no que se refere a dinâmica de transformação da cultura e seu impacto quando para o uso e difusão de ideologias.

Contextualização

No desenvolvimento do capitalismo, a conquista das classes trabalhadoras e sua “reeducação no sentido mais amplo” tornou-se premissa para instituição “de uma nova ordem social em torno do capital”.

O objetivo desta “reforma do povo” era substituir hábitos e tradições populares para implantar a lógica do consumo, gerando uma transformação cultural, termo que o autor considera “um eufemismo para o processo pelo qual algumas formas e práticas culturais são expulsas do centro da vida popular e ativamente marginalizadas”.

Hall chama atenção para a necessidade de se entender o duplo movimento da cultura popular, o processo dialético de contenção e resistência. A cultura popular é o “terreno sobre o qual as transformações são operadas”, não se consistindo nem em uma tradição intacta, nem mesmo em um terceiro elemento totalmente novo.

A partir do século XVIII as relações sociais se intensificaram com as classes trabalhadoras em formação, geralmente “distantes das disposições da lei, do poder e da autoridade” e ao mesmo tempo integradas ao “campo mais amplo das forças sociais e das relações culturais”. O autor cita o vínculo da cultura popular com a sociedade ”através de inúmeras tradições e práticas. Por linhas de ‘aliança’ e por linhas de clivagem”, e também a resistência de um século de algumas regiões, fazendo-se necessário um processo contínuo e permanente de reeducação e reforma.



Periodização

O período entre 1880 e 1920 é o recorte temporal dado pelo autor que, referenciando Gareth Stedman Jones, observa que “em algum momento desse período se encontra a matriz dos fatores e problemas a partir dos quais a nossa história e nossos dilemas peculiares surgiram”.

Nesta época foram empreendidas mudanças a partir de questionamentos que se assemelham com o período atual. Hall contemporiza e considera não ser “por acaso que tantas das formas características daquilo que hoje consideramos como cultura popular ‘tradicional’ emergiram sob sua forma especificamente moderna”.

O período de desenvolvimento do capitalismo agrário para o industrial marca uma intervenção direta na cultura popular, que ainda não havia sido incorporada à lógica do capital que começava a se definir. Todo um processo de reeducação social desta cultura de “fora das muralhas, distante da sociedade política e do triângulo do poder” foi empreendido no século XIX.

Hall, por meio de questionamentos sobre o “imperialismo popular” parece elucidar algumas estratégias de massificação do consumo por meio da cultura popular. O autor cita a instituição da imprensa liberal da classe média da metade do século XIX às “custas da efetiva destruição e marginalização da imprensa local radical da classe trabalhadora”. A apropriação do popular pelo e para o consumo gera uma interferência no processo conceitual, informacional e lógico de uma classe para determinar uma direção uniforme para a massa.

A ruptura vinda com o período pós-guerra gera “mudança nas relações culturais entre as classes e um novo relacionamento entre o povo e a concentração e expansão dos novos aparatos culturais”. O autor enfatiza a necessidade de se estudar a cultura popular considerando a sua incorporação à dominação do imperialismo e da indústria cultural, no século vinte, num processo desencadeado nos séculos anteriores.

O “popular”

No mercado comercial e no senso comum resume-se ao que é consumido pela massa, definição “associada à manipulação e ao aviltamento da cultura do povo”. Este conceito para o termo popular Hall questiona por considerar que o povo, mesmo nutrido “por um tipo atualizado de ópio”, não é essencialmente passivo.

Outra restrição destacada ao termo popular é a distinção usualmente criada entre cultura comercial popular x cultura popular autêntica, sendo que o autor considera como problema básico desta percepção dual, o fato de que “ela ignora as relações absolutamente essenciais do poder cultural – de dominação e subordinação – que é um aspecto intrínseco das relações culturais”.

O autor chama a atenção para o fato de que a cultura popular está inserida no contexto das indústrias culturais, onde “há uma luta contínua e necessariamente irregular e desigual, por parte da cultura dominante, no sentido de desorganizar e reorganizar constantemente a cultura popular”. A cultura popular não transita apenas entre os extremos de isolamento e preservação ou total passividade e fácil manipulação, mas existe uma “concentração do poder cultural” que favorece o reconhecimento e a adesão por parte da maioria aos hábitos culturais estabelecidos.

A adesão da cultura popular a essa lógica imposta desde o século XVIII não é meramente pela via da manipulação, pois como apresenta Hall “junto com o falso apelo, a redução de perspectiva, a trivialização e o curto-circuito, há também elementos de reconhecimento e identificação”. É este processo complexo e dialético de resistência e aceitação que faz com que exista no campo da cultura “uma espécie de campo de batalha permanente”.

Outra conceituação do termo popular questionada por Stuart Hall é a que se refere a tudo o que o povo “faz ou fez”, que por ser abrangente e descritiva demais não permite uma diferenciação clara entre o que é e não é cultura. Este segundo ponto de dificuldade trata da categorização entre a cultura da periferia e a cultura dominante (povo x elite), uma fragmentação equivocada de um processo integrado, que é legitimada e instituída em diversos espaços sociais, como no sistema educacional, familiar, informacional etc.

A proposta do autor é de uma terceira definição para o termo, a que “considera, em qualquer época, as formas e atividades cujas raízes se situam nas condições sociais e materiais de classes específicas; que estiveram incorporadas nas tradições e práticas populares”.

O processo dialético da cultura popular, em relação contínua com a cultura dominante é destacado pelo autor, como ponto a ser considerado nos estudos e compreendido nos processos históricos não como “culturas inteiramente isoladas ou paradigmaticamente fixadas”, mas como um processo dinâmico de reorganização e recriação permanente.

Em contraponto à crítica de visão de cultura popular e tradição como algo que precisa ser preservado e mantido estático, Hall instiga a percepção de que “a cultura popular é um dos locais onde a luta a favor ou contra a cultura dos poderosos é engajada”. E isso diz muito sobre possibilidades de transformação no contexto mundial atual.

Da diáspora: Identidades e mediações culturais / Stuart HallOrganização Liv Sovik, Tradução Adelaine La Guardiã ResendeBelo Horizonte: Editora UFMG; Brasília : Representação da UNESCO no Brasil, 2003

Voltando aos poucos. E entrando de acordo no processo de pesquisa > Resenha para a disciplina de Teorias da Cultura - curso pós-graduação em Gestão Cultural pelo Celacc/ECA/USP

16.4.09

TOM


Entra outono
A vida vibra como brisa
Se transforma, renova, recria
Vem com o frio colorido de abril
Os ventos de maio, os cantos de dentro: o caminho certo


foto: joão castilho

21.1.09

NOTA EXPLICATIVA PARA UMA NOVIDADE


2009 representa para a Ora Boa dois anos de vida virtual, por meio deste blog, e quatro anos de vida prática, com intensa atuação na cena artística e cultural de Minas Gerais. Independentemente do tempo, esse período representa acima de tudo uma busca por um conceito em construção, que pode se experimentar e se definir aqui sem a pressão institucional de umas horas ou o deadline apressado de outras.

Esse caminho vem se construindo no limite tênue entre o objetivo e subjetivo, a realização profissional e a pessoal e outras entrelinhas mais. Tudo o que vêm sendo registrado aqui é feito com imenso prazer, mas não sendo a única coisa que se deseja compartilhar, a Ora Boa resolveu se multiplicar.

Por aqui uma pequena pausa, para avaliações e planos da prática profissional. Enquanto isso, para não ficar parado : Rapidinhas, a versão dicas da oraboa para experimentar o lado acelerado da web e te manter informado.

Toda semana tem agenda cultural e várias dicas de arte pra você acompanhar a tempo. Vai lá, mas não deixe de voltar sempre aqui hã?


30.12.08

qbpd


qUEbRApEdRA é também assim que se escreve qbpd . quase a mesma letra variando de posição. Um canto de pássaro uma canção. Um jogo de letras uma combinação de arranjos. Arte em todas as direções. Música da nova geração.

Leonora Weissmann pega o tom, Rafael Martini ajusta os “volumes” e rege ao piano a orquestral banda com Pedro Maglioni (contrabaixos), Mateus Oliveira (vibrafone, marimba, bateria e percussão) e Edson Fernando (bateria, vibrafone, steel drum e percussão) que no disco e no show de lançamento tocam acompanhados também de convidados nas flautas, sax, trombone, fagote, clarineta e outros. A prática em conjunto faz parte da experiência musical da maioria dos os músicos do qbpd que paralelamente também compõe a Misturada Orquestra, formada em grande parte por ex-alunos da Escola de Música da UFMG.

Para o canto desafiador requerido pela base musical, a trilha da poesia. A cantora Leonora Weismann é autora de grande parte das letras das canções do qbpd, que são como uma poesia realista e subjetiva com versos lançados aos arranjos musicais e cantados com sílabas estendidas no tempo. Sua voz encontra ‘familiares’ na música brasileira, como Elis Regina, e também mineira, como Leopoldina, mas é própria, de uma limpidez e potência que se intensifica com sua interpretação no disco e no palco e com toda sua trajetória artística de pintora, cantora e poeta.

O disco de estréia do qUEbRApEdRA lançado em 25 de novembro, em Belo Horizonte, traz 12 faixas autorais, assinadas pelos integrantes da banda e também por compositores contemporâneos como Egberto Gismonti, Kristoff Silva, Makely Ka, Antônio Loureiro, Dudu Nicácio, Renato Motha, Felipe José e Alice Bicalho.


A música complexa e extremamente elaborada do qUEbRApEdRA é instigante e intensa e referencia grandes compositores da diversificada música brasileira, aí se ouve Tom Jobim, Egberto Gismonti, Milton Nascimento, Arrigo Barnabé, Edu Lobo, Maria Schneider, André Mehmari, Na Ozzetti, dentre outros. Às influências presentes no disco, acrescenta-se a dose exata de autenticidade criativa e ousada destes artistas geniais que confirmam a força da música produzida nas Gerais.

Como um retrato a revelar a pincelada colorida da alvorada no horizonte, a chegada do (no) Tangará, a canção do qUEbRApEdRA surpreende e inquieta. O investimento na formação musical arranjada com piano, vibrafone, sopros, baixo, bateria e percussões intensifica as composições e transporta os ouvintes para o ambiente da música ou o inverso, a música corresponde inteiramente ao momento presente de cada jovem contemporâneo.

Sempre as duas coisas e outras mais. É disco pra desbravar, o encarte, a poesia das letras, o resultado que dá tantos músicos reunidos, fazendo música nova. Correspondência de sentimentos e sentidos – sintonia de tempos – o cantado e o vivido.


Esse disco é uma pérola, escuta lá! Fica a dica de presente de fim de ano da ora boa pra você que sempre esteve aqui neste 2008. Pro novo ano: desejo de desejos realizados!

foto e pintura de Leonora Weissmann