30.12.08

qbpd


qUEbRApEdRA é também assim que se escreve qbpd . quase a mesma letra variando de posição. Um canto de pássaro uma canção. Um jogo de letras uma combinação de arranjos. Arte em todas as direções. Música da nova geração.

Leonora Weissmann pega o tom, Rafael Martini ajusta os “volumes” e rege ao piano a orquestral banda com Pedro Maglioni (contrabaixos), Mateus Oliveira (vibrafone, marimba, bateria e percussão) e Edson Fernando (bateria, vibrafone, steel drum e percussão) que no disco e no show de lançamento tocam acompanhados também de convidados nas flautas, sax, trombone, fagote, clarineta e outros. A prática em conjunto faz parte da experiência musical da maioria dos os músicos do qbpd que paralelamente também compõe a Misturada Orquestra, formada em grande parte por ex-alunos da Escola de Música da UFMG.

Para o canto desafiador requerido pela base musical, a trilha da poesia. A cantora Leonora Weismann é autora de grande parte das letras das canções do qbpd, que são como uma poesia realista e subjetiva com versos lançados aos arranjos musicais e cantados com sílabas estendidas no tempo. Sua voz encontra ‘familiares’ na música brasileira, como Elis Regina, e também mineira, como Leopoldina, mas é própria, de uma limpidez e potência que se intensifica com sua interpretação no disco e no palco e com toda sua trajetória artística de pintora, cantora e poeta.

O disco de estréia do qUEbRApEdRA lançado em 25 de novembro, em Belo Horizonte, traz 12 faixas autorais, assinadas pelos integrantes da banda e também por compositores contemporâneos como Egberto Gismonti, Kristoff Silva, Makely Ka, Antônio Loureiro, Dudu Nicácio, Renato Motha, Felipe José e Alice Bicalho.


A música complexa e extremamente elaborada do qUEbRApEdRA é instigante e intensa e referencia grandes compositores da diversificada música brasileira, aí se ouve Tom Jobim, Egberto Gismonti, Milton Nascimento, Arrigo Barnabé, Edu Lobo, Maria Schneider, André Mehmari, Na Ozzetti, dentre outros. Às influências presentes no disco, acrescenta-se a dose exata de autenticidade criativa e ousada destes artistas geniais que confirmam a força da música produzida nas Gerais.

Como um retrato a revelar a pincelada colorida da alvorada no horizonte, a chegada do (no) Tangará, a canção do qUEbRApEdRA surpreende e inquieta. O investimento na formação musical arranjada com piano, vibrafone, sopros, baixo, bateria e percussões intensifica as composições e transporta os ouvintes para o ambiente da música ou o inverso, a música corresponde inteiramente ao momento presente de cada jovem contemporâneo.

Sempre as duas coisas e outras mais. É disco pra desbravar, o encarte, a poesia das letras, o resultado que dá tantos músicos reunidos, fazendo música nova. Correspondência de sentimentos e sentidos – sintonia de tempos – o cantado e o vivido.


Esse disco é uma pérola, escuta lá! Fica a dica de presente de fim de ano da ora boa pra você que sempre esteve aqui neste 2008. Pro novo ano: desejo de desejos realizados!

foto e pintura de Leonora Weissmann

26.11.08

'ÁFRICA GERAIS'


Nossa Senhora do Rosário era santa branca, vinda de Portugal. No Brasil ela surgiu como lenda, no meio das águas, como uma iluminação. Foram muitas as tentativas para tirá-la da água e enaltece-la em um altar. Era tempo da escravidão, quando os novos moradores do Brasil-colônia, cada um oriundo de um canto estabeleceram suas relações. Uns vindo para dominar, outros dominados buscando preservar o que traziam por dentro. Cada um com sua crença e, naquele momento, uma santa para trazer para perto.

De todas as tentativas, a atendida foi a prece com cantos e tambores puxada pelos negros, com sua reza própria, festiva e rueira. Ela veio e foi assim que Nossa Senhora do Rosário se tornou sua padroeira, a santa branca, protetora dos escravos, um elo simbólico do sincretismo no Brasil, onde os negros encontraram na Igreja Católica uma forma correspondente de celebrar a sua fé, da sua forma, assim respeitada pela santa católica. O Reinado de Nossa Senhora do Rosário então se formou entre descendentes dos escravos no Brasil, especialmente em Minas Gerais, interior de Goiás e Espírito Santo, sendo popularmente conhecido como Congado.

Este mito fundador do Congado é o ponto de partida de um processo artístico realizado entre integrantes de cinco Irmandades de Congado das cidades de Contagem e Oliveira, interior de Minas. A proposta desenvolvida pelo diretor e autor de teatro João das Neves e pela cantora Titane, resultou no projeto-espetáculo “A Santinha e os Congadeiros”, que enfoca o viés artístico desta manifestação religiosa e cultural e paralelamente valoriza e fortalece essa tradição secular.

“O congado é uma manifestação da religiosidade que se faz ver a partir de uma manifestação artística com canções, tambores e bandeiras conduzindo sua religiosidade”. A visão de João das Neves é compartilhada por Titane e por diversos outros artistas que referenciam a cultura afro-mineira em suas criações, incorporando instrumentos, cantos e outros elementos do Congado. Essa apropriação, fruto do contato de diferentes culturas e formas de expressão, é cada vez mais freqüente no mundo contemporâneo onde os limites da diversidade estão cada vez mais próximos.

João das Neves e Titane tem um histórico de interações com a cultura popular e especialmente com o Congado, “apropriado” nos discos Inseto Raro e Sá Rainha e outros trabalhos. Desta vez, com o projeto “A Santinha e os Congadeiros” os parceiros estabeleceram um processo inusitado: integrantes das guardas encenam a si próprios. Uma apropriação ao inverso ou no mínimo uma ação diferenciada, em que o processo artístico desencadeia também um elo dos jovens integrantes com a tradição, e uma valorização pela sociedade desta herança afro-brasileira.

Da mesma forma que Nossa Senhora aceitou “os negros como eles são, cantando, dançando, cultuando do seu jeito”, como afirmou Pedrina Santos, Capitã da Guarda de Moçambique Nossa Senhora das Mercês, de Oliveira, os artistas envolvidos na formação do elenco para a montagem do espetáculo “A Santinha e os Congadeiros” se fundamentaram nas particularidades dos integrantes das guardas. “Nosso trabalho não é para mudar o jeito de cantar ou para mudar os significados, mas para mostrar como é”, registrou Titane, que coordenou o projeto e a preparação musical do elenco.

A criação conta com elementos identitários dos participantes. A tradição se expressa pela arte, se comunica de outra forma com a mediação de João das Neves: “O caminho do artista é geralmente conhecer e beber de uma cultura para criar o seu trabalho. Neste caso, os artistas vão até a cultura e ela própria cria o seu trabalho artístico”.

A interação entre artistas e integrantes da guarda gerou o espetáculo “A Santinha e os Congadeiros”, apresentado nos dias 15 e 29 de novembro, em Contagem e Sete Lagoas, interior de Minas Gerais. O processo de montagem da peça desencadeou um contato com arte por meio da tradição que despertou em integrantes da guarda um novo interesse e uma conseqüente valorização desta tradição.

“A cultura negra é essencialmente festiva e rueira. A festa do Congado antes era perseguida, hoje é assediada. Este é um novo tempo, que exige outro comportamento dos capitães das guardas seculares de congado”. João das Neves aponta para o que Jorge Antônio dos Santos, da diretoria de eventos da Comunidade dos Arturos confirma: “Esse projeto é uma forma diferente de mostrar essa história. É um meio de manter a juventude, despertar e valorizar os jovens. Eles se sentem valorizados e valorizam a tradição. É um outro meio de preservar, manter e dar seqüência à nossa tradição”.

fotos joão castilho . design gráfico denis leroy

Para quem acompanhou: o post que estava em construção virou colaboração para a revista Continuum, do Itaú Cultural. Visita lá. Aproveite e conheça mais sobre a revista aqui mesmo.

27.10.08

PERDIDA NA FLORESTA PREDIAL


A chegada é junto com o sol. Os primeiros raios são avistados brevemente, até que o metrô adentra o subsolo e por um bom tempo lá permanece. Na troca de estação o segurança de olhos arregalados e postura ereta volta para casa depois de mais uma balada.

No destino de desembarque, emergir das profundezas do subsolo é por instantes como perder a referência do chão, metros abaixo avistando metros acima. Na Avenida Paulista pouco tempo no solo se fica. Do subsolo para ir acima do décimo andar ou andar na rua sob um chão que esconde o vão por onde passam os trens.

Em São Paulo o assobio anuncia a chegada, mas o metrô só surge mesmo quando é seguido de um vento de embalar os cabelos. Se não, está passando no piso debaixo do prédio subterrâneo de trens que cortam (quase) todos os lados dessa cidade que é igual a todas, porém enoooorme perto dessa Belo Horizonte onde o metrô segue a Serra do Curral e no sentido leste-oeste desfila a cidade toda à vista.

Nas redondezas da Consolação a manhã se confunde com o fim de noite. É recorrente o desvio dos cambaleantes jovens virados, tentando voltar para casa ou concentrados no Bella Paulista, espaço de alimentação aberto 24 horas por dia. Lá os opostos se encontram: uns pernoitados e outros despertando para um dia de labuta.

A parada alternativa é na praça Benedito Calixto, onde o ritmo dos senhores montando as primeiras barracas da feira é mais condizente com o dia de estudo que se avista. São eles as mais recentes companhias do desayuno semanal empreendido em São Paulo, em meio às raridades de tempos passados expostas nessa feira tão tradicional.

Ponto de encontro como o Bella Paulista passou despercebido em terras mineiras onde o correspondente é um misto dos dois lugares. Na deliciosa praça de Santa Tereza, como diria aquele paulista mineiro agora carioca Israel do Vale, o hábito é ver o sol nascer atrás do rochedão, com tropeiro e macarrão do Bar do Bolão.

Nesta rotina São Paulo vem se desvendando por ora pouco atrativa, não somente a capital paulista, mas o padrão que se repete nas grandes cidades, com suas estruturas grandiosas e o olhar vazio dos transeuntes como que condicionados, repetindo passos, lançando mão de seu destino. Um sábado assim em Sampa se equivale a um dia útil em Belo Horizonte que vai às cegas, seguindo esse mesmo rumo, se perdendo e transformando-se em uma entristecida floresta predial.
foto emprestada da cia de foto

25.9.08

DE OLHOS BEM PUXADOS


O Eletronika – Festival de Novas Tendências Musicais, chegou à sua sétima edição em 2008 celebrando o Centenário da Imigração Japonesa. A escolha dos artistas, as ações paralelas aos shows e toda a identidade visual do Festival levaram em conta o diálogo intercultural entre Brasil e Japão, sem perder de vista a busca pelas novas tendências em todo o mundo.

A programação foi marcada pelo ineditismo e pela diversidade de atrações, sendo que o festival reuniu shows musicais, festas, mostra de cinema e debates, conquistando com isso um público amplo e diversificado, que variava de acordo com o perfil das atrações.

A noite de estréia do Eletronika apresentou uma artista mineira de peso no cenário nacional e contou com presença de grande público. Fernanda Takai, vocalista da banda Pato Fu tem conquistado adeptos diferentes com seu disco solo “Por onde brilhem os olhos seus”. Ao regravar Nara Leão a cantora conseguiu reunir na platéia diferentes gerações.

Mas seu show causou grande impacto mesmo pela presença da cantora convidada Maki Nomiya, da banda Pizzicato Five. Ícone da música pop japonesa, Nomiya cantou a canção “O barquinho”, em japonês com Fernanda Takai que por sua vez a acompanhou na divertida Twiggy Twiggy, com refrões e coreografia e também na música Sweet Soul Revue, ambas hits do Pizzicato Five, banda da qual Nomiya foi integrante. A presença de Nomiya chamou a atenção da mídia nacional para o festival, rendendo matérias no Caderno 2 d’O Globo e extrapolando as pautas de cultura, chegando à sessão de moda do site da Abril, dentre outras.


Em noite de estréia do Freak Show em BH, a rainha-freak-mor estava no palco do Eletronika.
Sen-sa-cio-nal!

O Vanguart, banda de rock vinda do Mato Grosso e despontando no cenário nacional foi a segunda banda da noite, que se apresentou para um público bem mais reduzido, que dispensou as cadeiras e se aglomerou em frente ao palco. Bem jovens, os músicos encabeçados por Helio Flanders, apresentam um som folk rock com versões em inglês e português. A banda nascida em 2002 participa dos principais festivais do Brasil, espaço que vem conquistando de maneira independente com EP’s e um disco de estúdio lançados e com o bom uso da tríade: internet, festivais e shows agitados que garantem um público crescente para a banda.

O fluxo de pessoas reduziu bastante no segundo dia do festival. A isso pode-se atribuir duas coisas, dentre outras, que estão interligadas: o perfil das atrações e o preço dos ingressos. Esses dois fatores associados podem ter causado uma baixa no público que gerou a indagação do músico Curumin, no acender das luzes: “Boa noite BH! Cadê BH?”.

Curumim e Instituto são grandes artistas da música alternativa brasileira, representantes do groove, dub, hip hop e rock brasileiro. Ambos do estado de São Paulo vêm desenvolvendo uma experimentação sonora com ritmos brasileiros e eletrônicos. No circuito alternativo, estes artistas têm um público cativo, mas que não marcou presença em peso no show, sendo provável que uma das razões seja o valor do ingresso (50,00 inteira e 25,00 meia - atrações do Grande Teatro e 20,00 inteira e 10,00 meia – show Sala João Ceschiatti) que restringiu o acesso ao público jovem em geral. Em nenhuma noite do festival houve lotação completa do espaço.

No que tange ao acesso à diversidade e bens artísticos, porém, o Eletronika inovou, trazendo referências mundiais, como a cantora e compositora japonesa Maki Nomiya e a banda indie nova-iorquina Asobi Seksu, atrações que, não fosse o Festival, provavelmente não chegariam a Belo Horizonte.

A presença do público foi maior nas noites com atrações mais pop, que estão na grande mídia e nos principais sites da internet, como Fernanda Takai e o fenômeno teen Mallu Magalhães, que se apresentou no sábado, quando também tocaram Hurtmold, com participação do músico Paulo Santos, do grupo Uakti (!), de Belo Horizonte, e a banda Asobi Seksu. Nesta noite o Festival Eletronika recebeu o seu maior público.



O Eletronika gerou uma ocupação diferenciada do Palácio das Artes, principal centro cultural da cidade de Belo Horizonte, com Grande Teatro, cinema, galerias e teatro para públicos menores. Abrigando um evento totalmente diferente dos padrões tradicionais, a agitação alternativa gerada pelo Eletronika no Palácio das Artes confirmou a versatilidade deste centro cultural que tem uma estrutura adequada para eventos de variados portes e para abrigar diversas expressões artísticas.

Bom por um lado, questionável por outro. Músicas pop, pouco elaboradas harmonicamente e que geralmente são dançantes, em alguns momentos destoaram do ambiente formal do teatro e suas cadeiras fixas. Em compensação, foi única a possibilidade de transitar entre os espaços, sair do show com liberdade para tomar uma cervejinha em um ambiente lounge e retornar quando quiser.

Além do espaço do Grande Teatro, a sala João Ceschiatti foi palco de seis outros shows, que aconteceram na sexta-feira e no sábado em horário anterior às atrações principais. Se apresentaram as bandas Guizado, Pop Armada e M. Takara, de São Paulo, PexbaA e Monno de Minas Gerais e Macaco Bong, do Mato Grosso.

O Festival Imagem dos Povos 2008 – Mostra Internacional Audiovisual veio fortalecer a temática do evento, com a exibição de filmes e debates gratuitos em torno da temática “Japão, Amazônia, Minas Gerais”. Para quem não freqüenta os sempre badalados redutos da música eletrônica e independente da cidade, o Festival Eletronika foi uma boa opção para ver um pouco de tudo e especialmente para se surpreender com a produção musical nipônica.

trechos da análise elaborada para a disciplina de 'organização de eventos' do curso de pós-gradução em gestão cultural da USP, sobre o eletronika - festival de novas tendências musicais, que aconteceu em belo horizonte entre os dias 25 e 27 de setembro em BH. adaptado de lá pra cá

23.9.08

PRIMEIRA ERA


"A primavera é quando ninguém mais espera
E desespera tudo em flor
A primavera é quando ninguém acredita
E ressuscita por amor"


tela de van gogh e letra de zé miguel wisnik (escute essa canção!)
para comemorar o início de mais uma nova era